Houve um tempo, em que cada brasileiro se comportava como um técnico de futebol, embora a imensa maioria nada soubesse a respeito, nem tivesse a noção do que fossem as regras futebolísticas. Desconhecia, inclusive, a escalação do time que dizia torcer. Havia quem se dizia torcer para dois, três ou mais times. Era uma dor de cabeça (risos). Agora, com a popularização das redes sociais, o brasileiro deixou para segundo plano a atividade de técnico para se colocar especialista de tudo.
Tornou-se, da noite para o dia, especialista em qualquer área, a ponto de desqualificar quem, de fato, estuda e passa parte da vida debruçado em pesquisa. Em ano pandêmico, estranhamente, cientistas foram “desbancados”, e a produção científica, “desmerecidas”. Sabichões online dão palpites, fazem diagnósticos e rebatem as ciências.
O achismo tornou-se a coqueluche, virou palavra de ordem, e ganhou a condição de instrumento-necessário em conversas nos botequins, apesar dos decretos e pedidos para que se evitem a aglomeração, e nos grupos de whatsapp e de facebook. Ecos são reproduzidos. Veiculados por demais. Coros são formados. Importantes na massificação de versões, de gráficos forçados pelo achismo, e que se sobrepõem as defesas científicas. É uma coisa de loucos! Inimagináveis!
Tem gente, que mal cursou o primário ou, quando muito, frequentou o ensino médio, ou esteve nos bancos de um curso superior, e já se coloca como o “senhor da verdade”, o “senhor da razão”, e passa a desafiar não apenas os cientistas, mas também os técnicos renomados de cada área do saber. Vale-se de chavões, e de estigmas para tachar os que pensam e dizem outras coisas sobre uma determinada situação, ainda que seja sanitária, ou jurídica ou da ciência política, etc., pois não toleram quem discordem de suas versões.
Comentários nos grupos sociais são marcados por acusações, agressões, e não raras palavras chulas e ofensivas. É a miniatura do que transformou o país: uma grande arena, onde a torcida “A” se acomodou de um lado, e do outro, a torcida “B”. Predominância do achismo. Versões que substituíram os fatos, e as mentiras ou meia-verdades que foram transformadas em verdades. Tudo como um passe de mágica.
Infelizmente, nenhum debate, nenhuma discussão. Debate e discussão que foram proscritos, apagados. Em seus lugares, estão as brigas, enquanto o discurso único passou a ser valorizado. Aí de quem ousam defender o discurso plural, as leituras diversas e variadas.
Sequer se tem uma opinião. Certamente, porque uma opinião para existir precisa de argumentos, e a argumentação só se tem quando se traz fatos, os porquês, as razões e os motivos. E, para construir a tal argumentação, carece de leituras, várias e não uma apenas, de analises sobre o que está sendo dito sobre um dado tema. Portanto, não é fácil construir uma argumentação.
E exatamente sobre a argumentação defendida que se faz uma discussão ou debate. Ao contrário do achismo, que se apega a afirmação ou a negação, ao passo que descarta por completo os argumentos. Além do mais, o achismo não precisa de leituras, nem de conhecimento sobre um dado assunto. Acha-se tão somente, e nada mais. O que empobrece qualquer conversa em especial nas redes sociais, as quais tinham tudo para serem transformadas na Ágora moderna ou pós-moderna.
Agora que poderia ajudar, entre outras coisas, na formação política do brasileiro. Formação tão necessária, imprescindível, uma vez que poderia romper a linha do discurso único, expurgar o achismo e construir um cenário plural, onde os iguais se posicionariam livremente, sem que venham a ser tachados, e os desacertos do atual governo federal também seriam debatidos, e não apenas os de outrem. É isto.
Lourembergue Alves é professor universitário e analista político.
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