Volta e meia, ouve-se a lengalenga de que o ato de julgar é uma prerrogativa tão somente do Judiciário. Ninguém mais pode fazê-lo, senão os integrantes da Justiça. Vende-se a ideia, mesmo sem saber o que está vendendo, de que a Justiça só poderá ser alcançada pelas mãos divinas dos juízes. Não são apenas estes senhores de toga. Nem deveria sê-los. A Justiça vai além deles e de seus tribunais. Aliás, Aristóteles já alertava sobre isso.
Acontece que pouquíssimas são as pessoas que leram este filósofo, e mesmo entre estes poucos existem os que não entenderam coisa alguma do seu recado. Mal sabem eles que o agir virtuosamente e o agir juridicamente são duas formas de condutas diversas. E, por outro lado, a esfera do jurídico e a esfera das virtudes, em consideração especial a justiça em sua acepção de justiça total, não são coincidentes, uma vez que a obediência aos mandamentos sociais não pressupõe seja o sujeito agente necessariamente virtuoso. Não é por acaso que Aristóteles fala que a justiça é uma questão ética, sem deixar de mostrar o que seja uma justiça distributiva e uma justiça total.
Isto basta. Melhor, é o suficiente para trazer a discussão de que um professor, em plena atividade, é julgado e julga o desempenho de seus alunos (o que, na verdade, é uma espécie de autojulgamento). Eles não são os únicos. Além deles, existem outros profissionais. Nesta esteira, é preciso dizer que a população deveria isto sim, julgar as ações e os comportamentos dos agentes públicos. Da mesma forma deveria agir com relação aos agentes políticos, pois estes dependem da sua aprovação ou da sua desaprovação. Esta desaprovação ou desaprovação, claro, baseia-se na opinião. Opinião que é formada, quase sempre, pela persuasão, e não pelo convencimento (este é outra questão, que não cabe analisar agora).
Cabe aqui dizer que o julgar, tanto para Kant como para Hannah Arendt, é uma faculdade democrática, ao alcance de todos os cidadãos. Por isso, deve-se dizer sempre que cada contribuinte, cada eleitor e cada agente social deve conhecer o conjunto de ações de seus chamados representantes. Aliás, diz Norberto Bobbio, um governo democrático é um governo visível. Assim, nada deve ficar as escondidas, jogados para debaixo do tapete. Até para que as pessoas possam não apenas saber do que está sendo feito, mas de todos os seus passos.
Daí a importância da transparência, tão realçada na Constituição Federal, e repetida na Lei de Acesso a Informação. O problema é que no Brasil, as leis existem, mas poucas vezes elas são de fato cumpridas. Governantes e parlamentares, somados aos membros do Judiciário e do Ministério Público, criam mecanismos capazes de maquiar a transparência, e se valem de arquivos pesados para impedirem que o contribuinte tenha acesso aos dados, às contas. Isto não só fere um princípio constitucional, mas paralisa a vida em democracia. Paralisa e freia porque nenhuma pessoa poderá conhecer o que de fato deveria tomar conhecimento. Não pode, nem poderá porque os agentes se valem de artimanhas, de escapulidas para se verem longe dos olhares julgadores da população. A mesma população que não cobra, não insiste, e, por mais estranho que se possa parecer, é a primeira a dizer que não cabe a ela o papel de julgar. Quanta ignorância! É isto.
Lourembergue Alves é professor e analista político.
Ainda não há comentários.