• Cuiabá, 21 de Novembro - 00:00:00

Desarmadilhar o indivíduo e desvalorizar as paredes 

Li que na estrada para ser Brasil (ainda caminhando) já houve tempo em que o Estado, os funcionários públicos, as ordens religiosas, os padres, todos eram proprietários de escravos. Os próprios escravos, uma vez livres, adquiriam escravos. 

Acordamos! Mas ainda dormimos. Falta-nos a noção simples de igualdade. 

Nós quase nunca somos quem os outros esperam. E, em homenagem à vida, eu não estou só como eu achava. Acreditamos que todos sabemos o que é ser uma pessoa. No entanto, essa definição é quase sempre redutora e falsa. 

Não se trata de estar no movimento do abolicionismo, do racismo, do LGBTQIAP+, das vítimas, dos direitos humanos, é ser direitos humanos em movimento. Não se trata de aceitar o outro, é saber que você é o outro também. É transitar de vidas. É visitarmos e sermos visitados por outras sensibilidades. 

A vida da gente é uma vereda para ser pessoa. Não, não somos o centro da vida nem o topo da evolução. Começamos indivíduos, estamos na corda bamba para ser gente. O que nos faz ser pessoa não está no CPF, nem no RG. Muito menos na carteira funcional. Ou nos famosos “ser alguém na vida” e “ter sucesso, ter futuro”. O que nos faz pessoas é o modo como pensamos e agimos. Como sonhamos, como somos com os outros, com nós mesmos e com nossa circunstância. 

De que adianta os títulos de mestre e doutor, de que servem o cargo de promotor, juiz, ministro ou presidente, se quando diante de uma alma humana, não conseguimos ser … outra alma humana. 

É difícil ser pessoa, nem que seja por um momentinho, até de visita. Às vezes a gente quase é … Gente é um universo vasto, profundo, homem algum sabe muito. As forças interiores da vida humana ainda se mostram profundamente ocultas para nós. Por isso essa caminhada deve ser atenta, sem rudeza e sem soberba. Para ir habituando os olhos ao escuro. Aprendendo com sentidos visíveis e invisíveis. Ah! Nunca houve tanta estrada. E nunca nos visitamos tão pouco. 

Não é fácil procurar o que nos ajuda a sair da gente, o que nos afasta das nossas certezas. Como diz Mia Couto, nesse território, não temos apenas sonhos, somos sonháveis. 

Cada um é porque é os outros e a realidade envolvente. Simone de Beauvoir disse: a verdadeira natureza humana é não ter natureza nenhuma. Desvalorize as paredes, amigo leitor! 

 

*Emanuel Filartiga é promotor de Justiça em Mato Grosso.



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