Nunca me incomodou tanto como desta vez a postura da Câmara de Vereadores de Cuiabá. A Casa exige um respeito que ela mesma não oferece. Demonstra estar mais preocupada com a indumentária alheia do que propriamente com os trabalhos pertinentes a ela, ou seja, fiscalizar o executivo e os bons desígnios à coletividade. Mas, vamos aos fatos. Como repórter de TV fico no comando da equipe, a qual defendo, mas sempre com justiça, sem excessos.
Foi triste e limitante, não constrangedor, porque a vergonha deveria ser dos operadores da regra, mas na cobertura jornalística da última sessão da Câmara dos Vereadores o repórter cinematográfico que integra a minha equipe, foi impedido de captar imagens no ambiente devido, no plenário da casa. O motivo é que o profissional, com mais de 20 anos de atuação, estava sem gravata!
Isso mesmo, a ausência de um pedaço de tecido atado à garganta comprometeu a qualidade do trabalho da equipe. Nos olhos do cinegrafista nasceu imediata preocupação, pois ele não poderia levar a empresa o melhor do seu trabalho, como se compromete na condição de profissional. Esse mesmo repórter cinematográfico, assim como eu, é profissional da imprensa de todas as editorias, pois somos generalistas, cobrimos esporte, política, polícia, economia, judiciário, etc., e muitas vezes não sabemos que sorte de assunto, tema ou mesmo os lugares aos quais iremos. É sempre uma surpresa, todos os dias.
E ao sermos surpreendidos com a mudança repentina de pauta, algo comum no jornalismo, o repórter cinematográfico antecipou que teria problemas. O blazer estava de prontidão, mas a gravata não. Afinal, nem ficaria bem, pois ele estava de camisa esportiva, com mangas curtas. E, francamente, um profissional que mantém 80% de suas atividades externas, sem a necessidade de exibir ao público em massa, o seu visual, seu look, não deveria ser obrigado a utilizar gravata, e olha, que essa peça nem combina muito com Cuiabá, não em plena luz (e calor) do dia. Talvez útil fosse aos repórteres cinematográficos apenas para enxugar o pesado suor de quem atura os climas mais adversos por aqui, captando imagens em quaisquer circunstâncias, pois eles também são testemunhas da vida.
Mas, ele sabia; o esquecimento da gravata seria imperdoável para a respeitável Câmara de Vereadores. Minhas tentativas de abrir exceções na Casa de Leis foram em vão. Como repórter lamentei pelo meu parceiro de trabalho, pois a qualidade da informação de imagens que levaríamos a casa dos mais de dois milhões de mato-grossenses talvez chegasse comprometida. E de fato chegou, mas quem assistiu a reportagem percebeu que a notícia mais uma vez evidenciava fatos assombrosos da casa. Os holofotes estavam sobre o vereador Felipe Wellaton que se tornou quase um eremita no parlamento municipal, onde muitas costas estão viradas para ele, talvez por exercer a finalidade real que deveria ser pertinente a todos os nobres mandatários: fiscalizar não o guarda-roupa alheio, mas a ética política, as ações da própria casa, assim como os trabalhos do Executivo.
Francamente, a ausência de gravata, não coloca em xeque o respeito de um profissional da imprensa para com a dita casa. No entanto, os nobres colegas, os vereadores - não todos é claro, mas grande parte -, deveriam honrar então esta peça tão nobre, tão impositiva de respeito, e distribuir assim tal postura, mais respeito à sociedade, não especificamente a imprensa, mas ao cidadão. Afinal, quando uma autoridade fala à imprensa não são aos jornalistas os esclarecimentos, mas à sociedade, pois nós jornalistas e radialistas somos apenas porta vozes.
Então, sugiro abolir a tal gravata dos profissionais da imprensa e que tal peça tão fundamental para a Câmara de Vereadores seja utilizada pelos vereadores imbuída dos seus muitos significados. Por exemplo: num passado bem distante, no Egito, a gravata tinha como função proteger os mortos dos perigos da eternidade. Se fossemos converter esse simbolismo para os dias atuais poderíamos entender que servia então para os vereadores protegerem os cofres públicos da corrupção que assola, das negociatas públicas que empurram para a mediocridade a estrutura educacional municipal pública, assim, como a saúde, o transporte, as ruas não pavimentadas e o esgoto fétido que escorre a céu aberto.
Nosso parlamentares ainda poderiam deixar de lado apenas o lado glamoroso do tecido como gesto repetitivo da cultura romana, usada pelos oradores com o objetivo de aquecer suas gargantas. Bem, poderíamos sim aquecer algo aqui, como o respeito, a liberdade de imprensa, as boas praticas da gestão pública, o bom senso... Menos gravata, e, por favor, mais respeito com a coisa pública.
Luciana Gaviglia é Jornalista
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