Outro dia, enquanto tomava meu café e olhava distraidamente para a janela, senti um aperto no peito que não veio do lado de fora — veio de dentro. Era como se algo, lá no fundo, sussurrasse: "Você está insistindo em carregar o que já devia ter soltado faz tempo."
Não era a primeira vez que escutava essa voz silenciosa. Já tinha sentido isso em outras manhãs, em conversas interrompidas, em lágrimas contidas, em noites em que o sono não vinha. A alma fala. E quando ela clama, é impossível fingir que não escutou.
A gente aprende que a vida tem encontros marcados. Que nada é por acaso. Que os caminhos se cruzam com propósito. E, de fato, cada pessoa que entra na nossa vida traz um pacote — de afeto, de desafio, de lição. Como nos ensina Kardec, essa existência é um grande campo de provas. Mas nem toda prova precisa ser castigada.
O problema é quando confundimos missão com martírio. Bezerra de Menezes já alertava: quantos de nós ficamos presos em relações adoecidas, acreditando que estamos sendo espiritualmente leais? Achamos bonito suportar, insistir, salvar. Mas será que isso é mesmo evolução? Ou é só medo disfarçado de virtude?
Às vezes, aquilo que chamamos de amor é só apego. E o que chamamos de fé é só resistência em mudar. Emmanuel dizia com sabedoria: "Não há progresso possível quando o espírito se torna prisioneiro de vínculos que adoecem." E como é difícil admitir que, apesar de toda tentativa, o outro não quer — ou não consegue — acompanhar nosso passo. Não é sobre desistir do outro. É sobre se escolher.
Soltar amarras dói. Fere o ego, bagunça os planos. Mas permanecer onde a alma grita por liberdade machuca ainda mais. É preciso coragem para olhar no espelho e reconhecer: "Já dei tudo de mim, e agora é hora de seguir."
A espiritualidade não exige que a gente se anule. Ela pede lucidez. Pede amor — inclusive o amor por si. E amor, às vezes, é ter coragem de partir. É confiar que, lá na frente, Deus se encarrega dos reencontros. Que cada alma tem seu tempo. E que não cabe a nós apressar o relógio de ninguém.
Se hoje, em silêncio, algo dentro de você também está clamando, escute. Talvez esse seja o seu sinal. A vida nova que você tanto espera só começa quando a velha finalmente é deixada para trás. Solte. Confie. Caminhe. Porque a vida — essa sábia mestra — não quer te ver acorrentado. Ela te chama — com amor — para voar.
*Soraya Medeiros é jornalista com mais de 23 anos de experiência, possui pós-graduação em MBA em Gestão de Marketing. É formada em Gastronomia e certificada como sommelier.
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