Nesta terça feira (26) em coletiva de imprensa organizada pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (USP/Esalq), várias entidades ligadas à pesquisa e produção agropecuária brasileiras anunciaram a indicação do ex-Ministro da Agricultura Alysson Paolinelli ao Prêmio Nobel da Paz deste ano de 2021. O argumento central das entidades que fizeram a indicação é que o indicado implantou um revolucionário e inovador programa de produção de alimentos em terras tropicais, contribuindo para combater a fome e a miséria no Brasil e no mundo.
Paolinelli foi ministro da agricultura de 1974 a 1979, durante o período da ditadura militar, sob a presidência do general Ernesto Geisel. Ficou mundialmente conhecido por ter liderado a implantação do maior e bem sucedido programa da produção de alimentos baseado em pesquisas científicas, inovações tecnológicas e ocupação de áreas do centro oeste brasileiro, tendo como epicentro o estado de Mato Grosso. Turbinou o orçamento da EMBRAPA, que havia sido criada em dezembro de 1972, aumentou geometricamente seu quadro de pesquisadores e descentralizou a pesquisa agropecuária implantando novos centros de pesquisas distribuídos nas diversas regiões do país.
Resumidamente, o grande salto qualitativo da produção agropecuária em Mato Grosso tem sua origem quando pesquisadores da unidade de pesquisas de soja da Embrapa de Londrina (PR) desenvolveram estudos para demonstrar que os solos de baixa fertilidade do cerrado poderiam produzir alimentos de forma competitiva, desde que se utilizassem sementes apropriadas para o clima tropical, fosse reduzida a sua elevada acidez, conjugados com fertilizantes químicos para aumentar sua fertilidade.
Para atrair agricultores para plantarem nas inóspitas e desvalorizadas regiões dos cerrados o governo federal ofereceu terras baratas e muito dinheiro emprestado a juros muito baixos por meio dos bancos públicos federais, Banco do Brasil e Banco da Amazônia. Mais tarde foram também utilizados recursos do Banco Mundial e da agência de desenvolvimento do Japão. Foram implementados programas como Proterra, Polamazônia, Polocentro, Polonoroeste que finaciaram desde a aquisição da terra até a armazenagem e comercialização da produção. O governo federal atraiu empresários-colonizadores, com boa expertise em colonização no sul do país para implantarem novas cidades em Mato Grosso. Daí surgiram Água Boa, Canarana, Nova Xavantina, Sinop, Colíder, Terra Nova do Norte, Marcelândia, Matupá, Sorriso, Nova Mutum, Lucas do Rio Verde, para ficar apenas em algumas delas.
Em Mato Grosso, Paolinelli teve como grande aliado o médico veterinário Jonas Pinheiro, então presidente da EMATER, que liderou com maestria a execução do programa de ocupação do cerrado. Posteriormente, surfando no sucesso do crescimento agropecuário, tornou-se deputado federal e senador da República. Ouso dizer que, caso Alysson Paolinelli seja o vencedor do Prêmio Nobel da Paz, em dezembro de 2021, deveria, simbolicamente, dividir a premiação (in memorian) com o saudoso Jonas Pinheiro.
Passados 45 anos, Mato Grosso tornou-se o maior produtor de alimentos do país e o Brasil se transformou na segunda maior potência agrícola do mundo. Passamos da posição da agricultura de subsistência para a de uma indústria agropecuária e grande plataforma exportadora mundial de alimentos. Ainda convivemos com sequelas do crescimento acelerado: desigualdades sociais e regionais, elevada dependência da produção e exportação de produtos agropecuários primários, indústria que não teve o mesmo ritmo competitivo da agropecuária. E uma agricultura familiar à qual não foram ofertadas condições similares para que se desenvolvesse. Mesmo assim, a agricultura familiar tem participação relevante no PIB agropecuário de Mato Grosso. O próximo grande salto qualitativo precisa ser dado para elevar de patamar a agricultura familiar na economia estadual.
Quando me perguntam se valeu a pena, sempre respondo com trechos do poema de Fernando Pessoa, Mar Português: “Ó mar salgado, quanto do teu sal são lágrimas de Portugal! Por te cruzarmos, quantas mães choraram, quantos filhos em vão rezaram, quantas noivas ficaram por casar. Para que fosses nosso, ó mar! Valeu a pena? Tudo vale a pena se a alma não é pequena. Deus ao mar o perigo e abismo deu, mas nele é que espelhou o céu”.
Vivaldo Lopes é economista formado pela UFMT, onde lecionou na Faculdade de Economia. É pós-graduado em MBA- Gestão Financeira Empresarial pela FIA/USP (vivaldo@uol.com.br).
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