Em 16 de setembro de 2025, o Tribunal de Cassação francês (Cour de Cassation) emitiu uma decisão histórica sobre o direito a um recurso efetivo para todas as pessoas afetadas pelos processos relacionados à plataforma criptografada Sky ECC — um marco que pode transformar o tratamento jurídico das provas digitais em toda a Europa.
Em diversos Estados-Membros da União Europeia, as investigações criminais baseiam-se, de forma exclusiva ou predominante, nos dados coletados na França e posteriormente compartilhados com outros países. Ocorre que, em razão do princípio do reconhecimento mútuo, as partes interessadas não conseguem questionar, nos tribunais nacionais, a legalidade da medida investigativa francesa que deu origem a essas provas.
Para romper esse impasse, advogados têm recorrido ao sistema judicial francês com o objetivo de revisar a legalidade das investigações conduzidas no âmbito do Sky ECC — operação que, segundo os defensores, violaria normas fundamentais do direito francês e europeu.
Em junho de 2024, o Tribunal de Apelação de Paris considerou um desses recursos inadmissível. O caso, contudo, chegou à mais alta instância francesa, e por decisão de 16 de setembro de 2025 (n.º 24-84.262), a Cour de Cassation submeteu ao Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) questões prejudiciais sobre a compatibilidade do direito francês com as garantias da União Europeia — especialmente no tocante ao direito a um recurso efetivo.
A Corte francesa destacou que a interpretação do TJUE poderá ter "consequências significativas" não apenas para ações semelhantes na França, mas também para inúmeros processos em curso em outros Estados-Membros que utilizam provas obtidas via decisões europeias de investigação (DEI) derivadas da mesma operação Sky ECC.
Se o TJUE reconhecer a admissibilidade do recurso, o desfecho tende a ser inequívoco: a forma como os dados Sky ECC foram obtidos viola o direito da União Europeia — e, por consequência, o próprio direito francês. Esse entendimento reforça outra decisão relevante da Cour de Cassation, de junho de 2025, segundo a qual investigações digitais com efeitos transfronteiriços exigem a notificação prévia dos Estados envolvidos, requisito que não foi observado na operação Sky ECC.
O caso representa um avanço inédito para o Estado de Direito na era digital. Mais do que garantir a legalidade dos meios de prova, a decisão francesa abre caminho para que outros países — como Brasil, Portugal, Espanha e Paraguai — possam revisar procedimentos semelhantes e fortalecer a proteção jurisdicional em investigações que envolvem dados criptografados e cooperação internacional.
*Eduardo Maurício é advogado no Brasil, em Portugal, na Hungria e na Espanha. Doutorando em Direito – Estado de Derecho y Governanza Global (Justiça, sistema penal y criminologia), pela Universidad D Salamanca – Espanha. Mestre em direito – ciências jurídico criminais, pela Universidade de Coimbra/Portugal. Pós-graduado pela Católica – Faculdade de Direito – Escola de Lisboa em Ciências Jurídicas. Pós-graduado em Direito penal econômico europeu; em Direito das Contraordenações e; em Direito Penal e Compliance, todas pela Universidade de Coimbra/Portugal. Pós-graduado pela PUC-RS em Direito Penal e Criminologia. Pós-graduando pela EBRADI em Direito Penal e Processo Penal. Pós-graduado pela CBF (Confederação Brasileira de Futebol) Academy Brasil –em formação para intermediários de futebol. Mentor em Habeas Corpus. Presidente da Comissão Estadual de Direito Penal Internacional da Associação Brasileira de Advogados Criminalistas (Abracrim).
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