Não é de hoje que presenciamos cobranças tributárias absolutamente abusivas e temerárias. Algumas decorrentes de erros das próprias autoridades fiscais, outras oriundas da legislação mal formulada, outras ainda, decorrentes de falhas de sistemas informatizados e por aí vai.
O fato é que o empresário sofre com um sistema tributário extremamente complexo, burocrático e cujas soluções são morosas e custosas. Ao receber uma autuação fiscal indevida o contribuinte já sabe que tem direito de defesa na esfera administrativa. A esperança é que, uma vez impugnada a exigência, tenha-se a revisão da cobrança rápida, técnica e justa, minimizando os problemas já causados.
O direito de defesa no Estado Democrático de Direito é sagrado e faz parte de cláusula pétrea da Constituição Federal. Tudo parte da premissa de que a Administração Pública também é sujeita a erros que afetam os contribuintes.
Se assim o é, incumbe à esta o dever legal e moral de rever seus próprios atos quando eivados de erros. Por isso existe o processo administrativo como forma de dar eficiência à cobrança fiscal, evitando que sejam ajuizadas infinitas execuções fiscais na esfera Judicial para cobrança de tributos que dificilmente serão recebidos.
Neste processo, quanto melhor e mais qualificados forem os órgãos julgadores, melhores serão as decisões e a qualificação da dívida. Se esta não é devida, que seja cancelada antes de chegar ao Judiciário. Sendo devida, que dificilmente seja revertida no Judiciário. Penso assim (exceto questões atinentes à inconstitucionalidade de normas que são matérias privativas do Judiciário).
Este é o conceito por trás do processo de revisão administrativo, o qual equivale a um “saneamento técnico”, uma triagem prévia às cobranças judiciais dentro do princípio da eficiência que deve nortear a Administração Pública.
A ideia desta reflexão é trazer à tona a qualidade das decisões administrativas no âmbito tributário. Será que elas são realmente eficientes em face de sua finalidade maior? Difícil termos um contencioso administrativo de qualidade sem um órgão julgador de segunda instância técnico e imparcial.
Digo segunda instância, pois as decisões de primeira instância são geralmente realizadas monocraticamente (logo, com maiores chances de desacerto) e não raro, proferidas pelo chefe da autoridade fiscal que promoveu a cobrança do tributo (logo, descomprometidas com a imparcialidade).
Por essa razão, os Tribunais de Segunda Instância Administrativa assumem função primordial dentro do processo de revisão, seja por serem órgãos colegiados ou paritários.
Privilegiar os Tribunais ou Conselhos Administrativos é garantir ao contribuinte os direitos básicos que a primeira instância não conseguiu propiciar. Para a Administração, é assegurar um crédito tributário muito mais seguro.
O Brasil ainda peca muito no desenvolvimento de um bom processo administrativo tributário. Vemos, com normalidade, municípios do interior sem condições financeiras mínimas de manter sequer um contencioso de primeira instância, imagine-se um Tribunal ou Conselho de segundo grau.
E minha preocupação é que pouco se discute sobre este importante tema. Soluções não são propostas e a tendência é ter-se como normal essa situação lamentável.
A nível estadual temos um Conselho de Contribuintes que foi sucateado e que teve sua atuação reduzida drasticamente. Concomitantemente, temos a nova Lei de Processos Administrativos que teria o condão de reativá-lo, congelada na Assembleia Legislativa. Até quando?
Exceções existem, mas temos que evoluir nesta discussão pois a má qualidade do crédito tributário é prejudicial a todos, inclusive à Administração que pode se submeter a pesados custos judiciais em caso de derrota ou mesmo indenizações por protestos indevidos e outros. O ônus de tudo isso não preciso nem dizer para quem fica.
Carlos Montenegro é Advogado Tributarista / Presidente da Comissão de Estudos Tributários e Defesa do Contribuinte da OAB-MT / Membro do Conselho de Recursos Fiscais do Município de Cuiabá.
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