Alessandro Buonopane
Há dez anos, o Brasil enfrentava um sistema financeiro concentrado, caro e excludente. Hoje, o país figura entre os três maiores mercados de pagamentos digitais do mundo, atrás apenas da China e da Índia. Não se trata de coincidência, mas do resultado de uma combinação rara entre inovação tecnológica, regulação progressiva e compromisso com a inclusão. O chamado "Brazil Stack" – que integra o PIX, o Open Finance, a identidade digital Gov.br, e infraestrutura baseada em blockchain e Inteligência Artificial (IA) – transformou o Brasil em um dos principais laboratórios de inovação financeira global. E esse modelo, construído em larga escala, está se tornando exportável.
O país não é mais apenas um mercado em crescimento: ele se estabeleceu como um laboratório global de inovação financeira. Chegamos a 2025 com a bancarização atingindo impressionantes 90% – um salto de 22 pontos percentuais desde 2015 –, 63 bilhões de transações pelo PIX em 2024, mais de 42 milhões de clientes conectados ao Open Finance e 71,5 milhões de brasileiros incluídos no sistema financeiro formal. Esses feitos não são apenas um marco social; são a fundação para a próxima grande revolução: a das finanças programáveis e da economia tokenizada.
Embora esses números façam parecer que vivemos o ápice da transformação, eles são na verdade um novo ponto de partida. A economia global vive o seu "momento iPhone" da tokenização, e as stablecoins – já movimentando mais de US$ 27 trilhões anuais, superando as duas maiores operadoras de cartões de crédito do mundo — se consolidam como infraestrutura base de uma nova camada financeira. No Brasil, esse movimento ganha velocidade: o país já contabiliza cerca de US$ 1 bilhão em ativos tokenizados, 70% dos fundos de venture capital expostos a ativos digitais e uma participação dominante das stablecoins no mercado cripto local, representando 90% das operações de câmbio digital.
A ascensão das stablecoins não é somente um fenômeno de mercado, mas um marco de eficiência. Empresas que adotaram esses ativos reportam economias superiores a 10% em pagamentos internacionais, enquanto grandes players globais – da tecnologia ao mercado financeiro – avançam em integrações e emissões próprias. Na América Latina, o USDC ultrapassou o Bitcoin como o ativo digital mais comprado, enquanto no Brasil Tether (USDT) e USD Coin (USDC) já respondem por 71% de todo o volume declarado à Receita Federal no primeiro semestre de 2025. A demanda é estrutural: eficiência, liquidez 24/7, menor fricção regulatória e acesso facilitado a dólares em economias instáveis.
Esse avanço ganha contornos ainda mais relevantes com a decisão deste mês do Banco Central de desligar a infraestrutura inicial do DREX. Longe de representar um retrocesso, o movimento abre espaço para que stablecoins privadas – inclusive emitidas por bancos brasileiros – prosperem como alternativa regulatória e tecnológica mais ágil. É uma inflexão que acompanha a tendência global: nos EUA, o GENIUS Act e a ordem executiva que afastou o projeto de uma CBDC reforçaram o protagonismo do setor privado, enquanto Europa e Ásia seguem fortalecendo modelos híbridos. Para o Brasil, a mensagem é clara: a tokenização seguirá adiante, mas com liberdade para que o mercado lidere seu desenho.
Paralelamente, outro vetor reforça a posição estratégica do país: o crescimento explosivo do SaaS impulsionado pelo PIX. A América Latina lidera o mundo em expansão do setor, com 23% ao ano, e o Brasil desempenha papel central nesse avanço. O PIX já gerou economia de R$ 106,7 bilhões para consumidores e empresas desde seu lançamento, com projeção de R$ 40,1 bilhões anuais até 2030. O comércio digital brasileiro deve atingir US$ 586 bilhões até 2027, com o PIX representando 40% dos pagamentos online e sendo usado por 76,4% dos brasileiros. A chegada do PIX Automático tende a acelerar ainda mais esse ciclo, conectando pagamentos recorrentes a modelos de fintechs, plataformas digitais e soluções verticais que integram finanças, crédito e gestão.
Mais do que eficiência, o que está em jogo é a democratização do acesso ao sistema financeiro e a construção de uma economia mais transparente, ágil e inclusiva. E essa sinergia alimenta a também digitalização de PMEs – mais de 98% das empresas da região – que ainda operam majoritariamente entre Excel e WhatsApp. A incorporação de finanças programáveis em softwares verticais cria um salto de produtividade tão significativo quanto o da bancarização acelerada da última década. É a junção entre o que o Brasil já domina (pagamentos instantâneos, infraestrutura aberta, adesão em massa) e aquilo que está despontando (tokenização de ativos, liquidação programável, crédito automatizado).
O que se forma diante de nós é um ecossistema em que inclusão não é um efeito colateral, mas uma construção intencional. A digitalização financeira brasileira reduziu custos, abriu o mercado, diminuiu spreads e democratizou acesso, como reconhece o FMI em sua última avaliação. E, ao mesmo tempo, preparou o país para liderar a próxima fronteira da inovação: a que transforma ativos em código, pagamentos em APIs e sistemas financeiros em redes globais interoperáveis.
Se o PIX mostrou ao mundo que é possível reinventar a maneira de pagar, as stablecoins e a tokenização mostram que é possível reinventar a própria infraestrutura do dinheiro. O Brasil já provou que sabe liderar movimentos que pareciam improváveis. Agora, diante da economia tokenizada, surge uma nova oportunidade: exportar não apenas tecnologia, mas um modelo de transformação financeira capaz de influenciar mercados emergentes e grandes economias.
O mundo está observando e, mais uma vez, aprendendo com o Brasil. O desafio agora é manter o ritmo da inovação, garantir que os ganhos cheguem a todos os estratos da sociedade e consolidar o país não apenas como laboratório, mas como exportador de soluções para o futuro das finanças digitais – hoje ele é programável e está sendo escrito em português.
*Alessandro Buonopane é CEO Latam e Brasil da GFT Technologies.


Ainda não há comentários.
Veja mais:
Veja como vai funcionar devolução do Pix em caso de golpe
MP: homem é condenado a 20 anos por tentar matar ex
Arrecadação federal chega a R$ 261,9 milhões em outubro e bate recorde
O servidor que tem um cargo de fonoaudiólogo e outro de bioquímico pode receber duas aposentadorias no Regime Próprio?
Estudo aponta PIB de Mato Grosso na liderança do crescimento
As fronteiras da Conservação no Pantanal
Crise política trava Congresso e pressiona governo na reta final
Polícia Civil deflagra Operação Desmonte em Rondonópolis
PM prende homem no interior após ameaçar matar familiares
Por unanimidade, 1ª Turma do STF mantém prisão preventiva de Bolsonaro