Paulo Lemos
Há uma poderosa e silenciosa epidemia que atravessa gerações, alimentada não por um vírus visível, mas pela narrativa incessante da nossa própria mente.
É um raio-X da alma moderna, expondo com crueza e clareza a origem de tanto do nosso mal-estar existencial.
Começa pelo diagnóstico mais libertador, ainda que assustador: a constatação de que boa parte do que sentimos – o medo paralisante, a raiva corrosiva, a vergonha debilitante – não é um fato imutável da realidade, mas o fruto de histórias que nós mesmos cultivamos e regamos em nosso interior.
Essas narrativas, esses “fantasmas e fantasias”, só ganham vida e força quando nossa consciência abandona o único terreno real que existe: o presente.
Ao nos perdemos nas labirínticas masmorras do passado, revivendo culpas e ressentimentos, ou ao projetarmos ansiosamente um futuro catastrófico, damos as costas ao que é concretamente experimentável.
O resultado é uma tripla punição: o espírito se inquieta, numa agonia sem repouso; a alma se cansa, carregando fardos imaginários; e o corpo, esse fiel instrumento, sente o peso material de sombras imateriais.
É o sofrimento por antecipação ou por repetição, nunca pela experiência direta.
A virada não é um desejo passivo, mas uma escolha ativa e corajosa.
“Hoje eu escolho” é o grito de guerra silencioso de quem decide retomar as rédeas da própria percepção.
Voltar ao momento presente não é um clichê de auto ajuda, mas um ato radical de honestidade intelectual.
É olhar para a realidade, despida de dramatizações, e aceitar seus contornos, por vezes ásperos.
Esse movimento exige o alinhamento crucial das expectativas, um exercício de humildade que nos convida a focar no “o que é possível agora”, em vez de se desgastar pelo “o que deveria ser” ou “o que poderia ter sido”.
Essa jornada, no entanto, não se faz sem um compromisso feroz com a autorresponsabilidade.
Aceitar as rédeas das próprias atitudes, porém, é um território delicado.
Há um abismo entre a culpa que paralisa e a responsabilidade que liberta.
A primeira nos prende ao erro, definindo-nos por ele; a segunda nos concede o poder de mudar, focando no aprendizado e na ação reparadora.
É não se destruir com o remorso, mas também não se eximir da consequência.
E então, surge a lei fundamental: a mudança é um fenômeno de dentro para fora.
Quando a nossa lente interna é limpa da poeira do medo e do julgamento, quando nossas palavras, sentimentos e ações passam a emanar desse novo centro de presença, o mundo à nossa volta não pode deixar de responder.
Ele não se torna magicamente perfeito, mas se torna manejável, compreensível, real. A transformação do exterior é um reflexo inevitável da estabilização do interior.
Por fim, a sabedoria mais prática: “Um passo de cada vez. Um dia de cada vez.”
Essa não é uma frase de efeito, mas a antítese da ansiedade que gera o sofrimento inicial.
É o lembrete de que toda grande mudança é uma sequência de pequenos atos conscientes, um compromisso diário de retornar ao agora, de olhar com clareza e de agir com integridade.
É um mapa para essa travessia – da inquietação à paz, do peso à leveza, das sombras da mente à luz do presente.
Paulo Lemos é advogado em Cuiabá e Mato Grosso, humanista e espiritualista, criminalista, especialista em Direito Público-administrativo e Eleitoral pela Escola Fundação do Ministério Público do Estado de Mato Grosso e Universidade de Santa Cruz do Sul do Rio Grande do Sul, articulista de opinião.


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