Rafael Medeiros
O crédito rural brasileiro está passando por uma transformação silenciosa, porém profunda. Na medida que as exigências ambientais ganham espaço nas pautas financeiras, cresce também a pressão por práticas sustentáveis no campo. CPR Verde, Fiagros sustentáveis e linhas com critérios ESG começam a redefinir quem tem acesso ao capital. Mas essa nova lógica traz um desafio inadiável: sem controle sobre a inadimplência, o agro corre o risco de ver essas oportunidades escaparem.
Historicamente, o crédito rural brasileiro manteve seu foco na expansão produtiva, sem incorporar preocupações ambientais. A virada começou nos anos 1990. Em 1995, o Protocolo Verde engajou os principais bancos públicos (como BNDES, Banco do Brasil e Banco do Nordeste) a incluir critérios socioambientais na concessão de crédito. Três anos depois, a Lei de Crimes Ambientais passou a restringir o acesso a financiamento público para produtores com passivos ambientais.
A regulamentação evoluiu ao longo das décadas seguintes. A Resolução CMN nº 4.327/2014 obrigou todas as instituições financeiras a implementar políticas de responsabilidade socioambiental, integrando riscos ambientais à análise de crédito. E, na última década, a sustentabilidade passou de pauta complementar a elemento central na formulação de programas e produtos financeiros para o campo.
Exemplo disso é o Programa ABC (Agricultura de Baixo Carbono), lançado em 2010. Em seus primeiros dez anos, mais de R$ 32 bilhões foram destinados ao financiamento de práticas como plantio direto, integração lavoura-pecuária-floresta e recuperação de pastagens. Iniciativas como o Plano ABC e o Plano ABC+ estabeleceram metas de redução de emissões, ao mesmo tempo em que o mercado financeiro passou a diferenciar operações "verdes". Segundo a Febraban, as operações bancárias em setores da economia verde subiram de 17,7% em 2012 para 20,9% em 2022. Em 2023, o Brasil emitiu seus primeiros green bonds soberanos, com recursos destinados exclusivamente a projetos sustentáveis.
Instrumentos financeiros sustentáveis no agronegócio
Hoje, o agronegócio brasileiro conta com diversos mecanismos financeiros "verdes" para viabilizar projetos sustentáveis. Entre os principais está a Cédula de Produto Rural Verde (CPR Verde), criada em 2021 pelo Governo Federal para remunerar produtores pela conservação de vegetação nativa e prestação de serviços ambientais, como manutenção de florestas e recuperação de áreas degradadas.
Além disso, linhas como Pronaf e Pronamp Sustentáveis passaram a exigir conformidade socioambiental, incluindo regularidade no Cadastro Ambiental Rural (CAR) e ausência de envolvimento com desmatamento ilegal. A política de crédito rural começou, assim, a se alinhar de forma mais consistente aos critérios ESG.
Outro instrumento em ascensão é o Fiagro (Fundo de Investimento do Agronegócio), que canaliza recursos de investidores para operações do agro — incluindo projetos verdes. Entre dezembro de 2022 e setembro de 2023, o patrimônio líquido total dos Fiagros cresceu 78%, passando de R$ 10,5 bilhões para R$ 18,7 bilhões.
Globalmente, o agronegócio está entre os setores que mais crescem no mercado de títulos temáticos: o valor total de títulos verdes ligados à agricultura e uso da terra aumentou 59% entre 2019 e 2020. Esses instrumentos permitem que empresas captem recursos com o compromisso de metas ambientais, ainda que tragam o desafio permanente de evitar práticas de greenwashing.
Inadimplência no setor agro e impactos no crédito sustentável
A inadimplência no agronegócio sempre esteve em níveis historicamente baixos, sustentada por safras favoráveis, valorização de commodities e ampla oferta de crédito subsidiado. Esse cenário começou a se alterar nos últimos anos. Aumento dos custos de produção, retração nos preços agrícolas e eventos climáticos extremos — como secas e enchentes — fragilizaram a saúde financeira do setor.
De acordo com o Banco Central e os principais bancos públicos, a taxa de inadimplência com mais de 90 dias mais que dobrou entre 2023 e 2024. No Banco do Brasil, passou de 0,7% para cerca de 2,0%. Na Caixa, saltou para 3,35%. Regionalmente, os maiores índices concentram-se no Norte e Nordeste, enquanto Sul, Sudeste e Centro-Oeste seguem com menores níveis — reflexo de diferenças estruturais e de resiliência climática.
Sofrendo quebras em safras de grãos e oscilações de mercado, muitos produtores atrasaram parcelas de custeio e investimento. Setores como o sucroalcooleiro e o pecuário também foram impactados por ciclos de baixa, resultando em menor liquidez. Nesse contexto, a inadimplência compromete diretamente a elegibilidade para novas linhas de crédito — especialmente aquelas com rótulo sustentável.
Recuperação de crédito: viabilizando o crédito verde
Diante desse cenário, práticas estruturadas de cobrança e recuperação de crédito tornaram-se estratégicas. Prevenir atrasos, agir com agilidade e manter canais ativos de renegociação são ações fundamentais para preservar a capacidade de crédito do produtor.
No mercado B2B, já se observa uma profissionalização crescente. O Índice Global de Recuperação de Crédito B2B, lançado pela Global em 2024, mostrou que setores com processos estruturados conseguem recuperar até 98% dos títulos vencidos com até 10 dias. No agronegócio, esse percentual cai para 88%, uma das taxas mais baixas da amostra. Isso indica que há espaço para melhorias na gestão de crédito do setor.
A adoção de abordagens multicanais — como WhatsApp, e-mail, telefone e plataformas automatizadas — tem se mostrado eficaz. Hoje, 51% dos acordos fechados digitalmente são concluídos via WhatsApp. A IA generativa também tem revolucionado o processo. A assistente virtual Sophi-IA, da Global, é responsável por 74% dos acordos digitais fechados com empresas inadimplentes. Essas soluções tornam a negociação mais eficiente e menos invasiva, aumentando a taxa de sucesso.
Além disso, renegociações extrajudiciais, com flexibilização de prazos e condições alinhadas ao ciclo de safra, ajudam a evitar recuperações judiciais — que, além de onerosas, dificultam ou bloqueiam o acesso a crédito, inclusive aos instrumentos verdes.
Em suma, o financiamento verde está se consolidando como uma das principais frentes de capital para o futuro do agronegócio brasileiro. Mas esse movimento exige contrapartidas: responsabilidade ambiental, regularidade jurídica — e solidez financeira. Em um contexto de instabilidade climática e aumento da inadimplência, a recuperação de crédito passa a ser não apenas uma solução emergencial, mas uma estratégia essencial para a sustentabilidade econômica e ambiental do campo.
Com processos bem estruturados de cobrança, diálogo transparente com o produtor e apoio tecnológico, o setor pode manter a confiança dos investidores e garantir o fluxo de capital necessário para avançar rumo a uma agricultura mais verde, rentável e resiliente.
Rafael Medeiros é Diretor Executivo B2B da Global.
Sobre a Global
A Global é uma empresa líder no mercado de recuperação de crédito para o segmento B2B. Sediada em Joinville (SC), com filiais em São Paulo (SP), Florianópolis (SC), Araquari (SC) e Rio Negro (PR) e mais de mil funcionários, a empresa acumula mais de 30 anos de experiência e expertise no desenvolvimento de soluções inovadoras e personalizadas com foco em cobrança e relacionamento com clientes. Para isso, utiliza tecnologia de ponta aplicada em estratégias multicanais que abrangem as etapas de vendas, pós-vendas, preventivo, cobrança e jurídico.
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