Por Rudolfo Lago - Portal Congresso em Foco
A confissão explícita sobre o que se pretendia foi feita em uma reunião fechada que se tornou pública a partir da denúncia feita pelo ex-ministro da Justiça Sergio Moro. Ao final do governo Jair Bolsonaro, Moro ofereceu à sociedade um inusitado twist duplo carpado.
Do malabarismo inicial que fez deixando de ser juiz para virar ministro, ele primeiro rompeu com Bolsonaro denunciando interferências do presidente na Polícia Federal para proteger parentes e amigos. De lá, Moro sai de uma frustrada tentativa de ser candidato à Presidência para uma vaga de senador pelo Paraná, e termina o ano novamente aliado do presidente com quem rompeu e denunciou.
O malabarismo de Moro, porém, deixou como legado a confissão do ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles sobre o que o governo Bolsonaro pretendia fazer na área do meio ambiente. A reunião fechada tornou-se pública como prova da denúncia que Moro fazia. E, em determinado momento dela, Ricardo Salles sugere que o governo aproveita a atenção então tomada pela pandemia de covid-19 para fazer “a boiada passar”. Traduzindo: para que o governo promovesse, com ações e leis, o desmonte da área ambiental.
O relatório entregue na quinta-feira (22) pela equipe de transição para o novo governo de Luiz Inácio Lula da Silva detalha como de fato ocorreram as ações confessadas naquele momento por Ricardo Salles. “Nos últimos quatro anos, as instituições federais de conservação ambiental e uso sustentável de recursos ecológicos passaram por um processo inédito de intimidação”, diz o relatório. “O objetivo foi claro: geração de riqueza monetária para poucos em prejuízo do direito constitucional de todos ao ‘meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida”’, afirma o texto.
“O governo Bolsonaro promoveu um desmantelamento deliberado e ilegal das políticas públicas, marcos regulatórios, espaços de controle e participação social, e órgãos e instituições públicas ligadas à preservação das florestas, da biodiversidade, do patrimônio genético e da agenda climática e ambiental”, prossegue o relatório. Ou seja, o que dissera Ricardo Salles de fato se deu: a boiada passou.
Com consequências desastrosas para a vida no país. “Como consequência, as taxas de desmatamento na Amazônia e no Cerrado atingiram picos nunca vistos há 15 anos”, revela o texto. “Houve aumento de 60% do desmatamento na Amazônia durante o governo Bolsonaro, a maior alta percentual que já ocorreu em um mandato presidencial, desde o início das medições por satélite, em 1988”.
Prejuízos econômicos
Não bastasse o dano ambiental, o radicalismo ideológico do governo na área com a sua falta de racionalidade trouxe prejuízos econômicos. Para beneficiar a visão equivocadamente de alguns do agronegócio, a política ambiental do governo Bolsonaro trouxe prejuízos à maioria, uma vez que cada vez mais os países importadores exigem compromissos ambientais, o chamado “selo verde” que garante que a produção não implicou danos ecológicos.
“Houve também graves danos à população e prejuízos de reputação do setor produtivo nacional, ocasionando a imposição de barreiras aos produtos brasileiros no comércio internacional, a restrição de acesso a crédito, a perda de credibilidade do Brasil perante o resto do mundo, além do comprometimento da soberania nacional em relação à Amazônia”, avalia o relatório.
“As comunidades e povos tradicionais foram perseguidos ou esquecidos, em total desconhecimento acerca de sua importância para a proteção da biodiversidade brasileira e a atração de financiamentos e doações internacionais com foco em sustentabilidade ambiental e social”. Ou seja, prejuízo provocado pela miopia ideológica.
O descompromisso ambiental está expresso na penúria orçamentária. “Dos R$ 4,6 trilhões de despesas previstas no orçamento de 2022, menos de R$ 3 bilhões foram utilizados para políticas públicas do Ministério do Meio Ambiente (MMA) e de instituições vinculadas à pasta”, diz o relatório.
Opção deliberada
Em muitos momentos, houve deliberada opção por não usar os recursos. “O Fundo Amazônia conta hoje com mais de R$ 3,3 bilhões paralisados, conforme alerta do STF e de relatórios da sociedade civil”.
Os servidores da área não foram repostos. “O quadro de servidores do Ibama, ICMBio, SFB e MMA encontra-se com 2.103 cargos existentes vagos”, aponta o relatório, referindo-se aos funcionários do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama), Instituto Chico Mendes de Conservação e Biodiversidade (ICMBio), Serviço Florestal Brasileiro (SFB) e o próprio Ministério do Meio Ambiente. “Enquanto o IBAMA tinha 1.800 servidores atuando na fiscalização ambiental em 2008, agora são apenas cerca de 700, nem todos em campo. Houve efetivo aparelhamento e ocupação de cargos gerenciais e de direção sem capacidade técnica e política de atuação na área de proteção e gestão ambiental. São contundentes os casos de perseguição e assédio aos servidores dos órgãos”.
“Apenas 0,4% do Cadastro Ambiental Rural [CAR] foi validado, o que compromete a implementação do Código Florestal”, continua. Além disso, diz o relatório, o CAR não registra informações essenciais sobre a situação ambiental das propriedades, conforme alertado pelo TCU. “Vale destacar também as medidas deliberadas para aumentar a impunidade para criminosos ambientais”, alerta.
“O Brasil perdeu seu protagonismo na agenda internacional sobre clima, florestas, biodiversidade, povos indígenas e populações tradicionais, água, Amazônia, oceano, energia limpa e descarbonização das cadeias produtivas”, afirma o texto.
“Precisamos voltar a ocupar assento privilegiado e credibilidade na discussão global sobre as questões socioambientais. Agora, o grande desafio é reverter o cenário deixado pelo governo Bolsonaro”, considera.
“A transição para a economia de baixo carbono é entendida como uma vantagem competitiva para o País, que tem condições de gerar negócios, produtos e serviços com menores emissões de carbono, além de oferecer soluções para as necessidades de mitigação e adaptação às mudanças climáticas. Nosso desafio é o da reconstrução do desmonte das instituições e o reencontro do país com seu futuro como potência ambiental”, conclui o texto na área ambiental.
AUTORIA
RUDOLFO LAGO Diretor do Congresso em Foco Análise. Formado pela UnB, passou pelas principais redações do país. Responsável por furos como o dos anões do orçamento e o que levou à cassação de Luiz Estevão. Ganhador do Prêmio Esso.
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