Rafaela Maximiano - Da Redação
O tema da Entrevista da Semana é meio ambiente e a entrevistada é a engenheira ambiental, Kamila Barros Bonfim. Especialista em Prevenção, Controle e Combate à Incêndios Florestais, presidente da Associação dos Engenheiros Ambientais do Estado de Mato Grosso e embaixadora do Instituto Lixo Zero Brasil em Várzea Grande, que este ano firmou parceria com a ONU para campanha no Dia Mundial do Meio Ambiente, a especialista afirma que a relação humana com a natureza não vem sendo a das melhores. Apesar das boas ações que existem em Mato Grosso e no país, o mundo pede socorro e por isso, devemos tomar consciência de preservação e boas práticas ao meio ambiente.
Durante a entrevista, Kamila Barros afirma que a questão ambiental está em ênfase e sendo muito discutida nos meios digitais e mídias sociais com fomento de atitudes e práticas mais sustentáveis, mas a maior lição com esta pandemia, é a confirmação de que decisões políticas sem fundamento podem afetar em cheio as nossas cidades e o meio ambiente.
Os principais desafios que os municípios de Mato Grosso têm para alcançar o desenvolvimento sustentável e como o Poder Público de Mato Grosso tem tratado assuntos importantes como aterros sanitários e a coleta seletiva também forma abordados.
Confira a entrevista na íntegra:
Diversas organizações mundiais realizam todos os anos planejamentos para tornar as cidades no mundo mais sustentáveis e salvar o meio ambiente. Em linhas gerais esse desenvolvimento sustentável sugere que os países adotem ações que tornem as cidades e comunidades mais sustentáveis, com transportes de qualidade, ampliação de áreas verdes, acessibilidade, entre outras. Neste sentido, quais são os principais desafios do Brasil? E o que já vem sendo feito nas diferentes regiões do país para apoiar esta meta?
O principal desafio do Brasil no desenvolvimento sustentável das cidades e comunidades, está em desenvolver políticas públicas de planejamento urbano voltados para o cumprimento do ODS 11 (Objetivo de Desenvolvimento Sustentável) da Organização das Nações Unidas de número 11 que diz: “Tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis”. Segundo a ONU, mais de 50% das pessoas vivem nas cidades sem planejamento urbano e sem execução de seus planos diretores. Só com a aplicação correta dos planos diretores as cidades seriam mais sustentáveis no quesito ocupação do solo, densidade demográfica da população, meio ambiente, segurança, saúde e todos os serviços essenciais.
Hoje, o Brasil ocupa uma posição de liderança no que diz respeito a produção e uso sustentável das fontes renováveis de energia. Há várias ações sustentáveis que vem sendo adotadas, uma delas está em Curitiba, considerada a cidade mais sustentável da América Latina e exemplo no quesito cidades sustentáveis e qualidade de vida. A cidade possui a melhor qualidade do ar do país, toda a população tem acesso 100% a água potável, e quase 100% de acesso ao esgotamento sanitário, existe um programa de prevenção de enchentes e distribuição adequada de captação de água da chuva. Sem contar no planejamento urbano em seus serviços essenciais de segurança, trânsito, acessibilidade urbana, saúde e educação.
Em Salvador por exemplo, com a criação da Secretaria Municipal de Sustentabilidade, Inovação e Resiliência – SECIS, foi possível tornar a cidade entre as 100 mais sustentáveis do mundo devido a execução de várias ações como o Programa de Coleta Seletiva, redução da emissão de gases poluentes com a renovação da frota de ônibus; construção de ciclovias, ciclofaixas e a requalificação de espaços públicos.
Os desafios para minimizar a degradação ambiental nos municípios é a execução dos planos municipais de saneamento básico.
Como se encontra Mato Grosso e seus municípios, neste contexto de desenvolvimento sustentável e de preservação do meio ambiente?
Vem se destacando nas áreas de energia renovável, agricultura familiar, cadastro ambiental rural (CAR), turismo sustentável, plano de gestão para o Centro Histórico de Cuiabá e a avaliação do potencial de emprego e renda. Também mostrou nosso produto principal: a elaboração e implantação de Planos Diretores Participativos de Desenvolvimento Municipal em 106 cidades, criação do Programa Turismo Sustentável, e sendo destaque no Programa “A Estratégia PCI (Produzir, Conservar e Incluir), há também o Programa Municípios Sustentáveis (PMS), em Sinop tem sido exemplo na Integração lavoura-pecuária. Mato Grosso se destaca por possuir três importantes biomas em seu território: Cerrado, Pantanal e Amazônia, e para preservá-los precisamos seguir com essas ações e é lógico ampliá-las.
Quais os principais desafios e problemas para tornar os municípios de Mato Grossos mais sustentáveis e diminuir a degradação ambiental?
Os principais desafios vem sendo a questão do desmatamento, queimadas, conflitos de terras, e ineficiência na gestão integrada dos resíduos sólidos e saneamento básico. Mato Grosso é um dos estados com maior índice de desmatamento e queimadas no Brasil e menos de 10% dos municípios possuem Licença de Operação em seus aterros controlados. Os desafios para minimizar a degradação ambiental nos municípios é a execução dos planos municipais de saneamento básico, planos diretores urbanos, poucos agricultores utilizam práticas sustentáveis no monocultivo no sistema convencional de plantio e execução do Planos de Controle, Combate a Incêndios Florestais.
Há muito tempo os homens poluem as nascentes, os córregos, os rios e os mares. Os humanos são ambiciosos e tratam os recursos naturais como se jamais fossem acabar. Eles não preservam a natureza. O progresso é bom, mas precisa ser sustentável. O dinheiro não pode comprar tudo, nem pode fabricar água, por exemplo. Sem esse líquido precioso, até os homens mais ricos vão morrer de sede.
Mato Grosso se tornou o único a ter 100% dos municípios com plano de saneamento, com investimentos de R$ 11,5 milhões.
São problemas apenas do setor público, ou o setor empresarial e a sociedade também responsabilidades?
Todos os setores possuem responsabilidades acerca do desenvolvimento sustentável nas cidades e também o meio rural. Os problemas levantados anteriormente envolvem além do setor privado, a participação de múltiplos órgãos públicos, mostram que a única garantia de se estabelecer uma relação mais e adequada aos interesses de ambos os lados recai no reconhecimento dos compromissos e responsabilidades inerentes aos seus respectivos papéis. Não parece haver outra forma de se atingir boa qualidade nos procedimentos e resultados, a falta de compromisso de qualquer agente envolvido provoca desequilíbrios ambientais e a regressão dos objetivos de Desenvolvimento Sustentável.
Muitas ações de preservação do meio ambiente são pontuais e até políticas, acabam ocorrendo apenas uma vez, não sendo absorvidas pela sociedade. Existem exemplos de boas práticas com resultados positivos e que perduram aqui no Estado?
No Setor de agronegócio temos o Programa ABC (Agricultura de Baixo Carbono), Boas Práticas Agropecuárias (BPA), ambos da Embrapa e o Estratégia: Produzir, Conservar e Incluir” do Governo de Mato Grosso.
No meio urbano temos urbano temos o Programa Água para o Futuro do Ministério Público Estadual (MPE-MT) e Ação Verde, o Programa LEVE e LEVO da Ecodescarte, o Teoria Verde e o Programa Turismo Sustentável e em Mato Grosso temos 100% concluído dos Planos Municipais de Saneamento Básico (PMSB). São ações concretas que já perduram e têm contribuído para a preservação ambiental e mudança de cultura.
Mas ainda precisamos avançar, principalmente neste período de pandemia onde o meio ambiente acaba sendo beneficiado com a diminuição das atividades humanas e poluentes, mas a sociedade precisa ter maior compreensão da conexão do planeta, maior sensibilidade ao impacto das atividades industriais na natureza e valoriza o simples e as conexões humanas.
Este ano o período proibitivo de queimadas em MT foi antecipado para o dia 1º de julho, devido aos fatores climáticos e riscos que a poluição do ar traz à saúde humana, especialmente em um momento que o mundo enfrenta a pandemia da Covid-19, que é uma síndrome respiratória.
O que é o Instituo Lixo Zero, qual objetivos, forma de atuar, e, sua ligação com a Organização das Nações Unidas (ONU)?
O Instituto Lixo Zero Brasil (ILZB) é uma organização da sociedade civil autônoma, sem fins lucrativos pioneira na disseminação do conceito Lixo Zero no Brasil. Fundado em 2010, O ILZB representa no Brasil a ZWIA – Zero Waste International Alliance, movimento internacional de organizações que desenvolvem o conceito e princípios Lixo Zero no Mundo. Tem a missão de Articular, Mobilizar e Provocar novas atitudes nas comunidades nacionais e internacionais promovendo a prática do Lixo Zero nos diversos segmentos da sociedade. Desenvolvem consultoria estratégica para avaliação e elaboração de sistemas de gestão e gerenciamento de resíduos sólidos, desenvolvimento de programas e soluções inovadoras visando a melhoria contínua e a sustentabilidade, adequando aos requisitos do conceito Lixo Zero.
Para celebrar o Dia Mundial do Meio Ambiente ou World Environment Day (WED), o Instituto Lixo Zero Brasil firmou parceria com o WED2020. Um programa da ONU para o Meio Ambiente (PNUMA), que personaliza questões ambientais e incentiva todos a perceber a sua responsabilidade com o meio ambiente e como e? possível se tornar um agente de transformação, disseminando uma forma de desenvolvimento mais sustentável e humanizado. Para alcançar esses objetivos por exemplo, realizamos várias webinars de Aprendizado Cooperativo abordando temas com ações ecologicamente corretas, estimulando a sensibilização com datas especificas, como o Dia Mundial do Meio Ambiente.
Neste mês de junho, comemoramos o Dia mundial do Meio Ambiente. Como o Poder Público nos municípios de Mato Grosso estão tratando assuntos importantes como a obrigatoriedade dos fins dos lixões e a instalação dos aterros sanitários, a inclusão dos catadores de reciclagens e a coleta seletiva?
Em Mato Grosso, a Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Sema-MT) e a Universidade Federal de Mato Grosso, por meio da Fundação de Apoio e Desenvolvimento (Uniselva), assinaram contrato para elaboração do Plano Estadual de Resíduos Sólidos (PERS); o deputado estadual Dilmar Dal Bosco (DEM) possui um projeto de lei já aprovado na Comissão de Meio Ambiente da Assembleia Legislativa de Mato Grosso que trata de resíduos sólidos considerados perigosos, gerados por indústrias. Também foi discutido na ALMT, a atualização da Política Estadual de Resíduos Sólidos com o Projeto de Lei nº 211/2017. Mato Grosso também ganhou com a aprovação do Projeto de lei nº 159/2020 que adota critérios da Organização Mundial de Saúde (OMS) como padrão para monitoramento da qualidade do ar. Foi aprovado também a instituição da Semana Estadual de Conscientização do Descarte correto do lixo gerado no tratamento de diabete e outras doenças e também a nº 1.154/2019, do deputado Thiago Silva, que dispõe sobre a coleta, reutilização, reciclagem, tratamento e disposição final do lixo tecnológico em nosso Estado.
Em Cuiabá, foi lançado o Programa Cidade Limpa, que fiscaliza imóveis urbanos quanto à preservação, limpeza e conservação. Na Câmara Legislativa de Cuiabá está ocorrendo a CPI do Saneamento que investiga a responsabilidade dos agentes públicos envolvidos na denúncia de suposto aumento abusivo da taxa de esgoto na Capital. Em Várzea Grande, com a pandemia da COVID-19, foi lançada a campanha para o manejo e acondicionamento dos resíduos sólidos. No Dia do Meio Ambiente, um decreto assinado pelo Governo Federal, que regulamenta a logística reversa de medicamentos e o Ministério de Meio Ambiente - MMA lançou o “Programa Nacional Lixão Zero” objetiva subsidiar os estados e municípios na gestão dos resíduos sólidos urbanos, com foco na disposição final ambientalmente adequada.
Podemos ver que temos inúmeras ações positivas que muitas vezes não são divulgados, mas já têm mudado a forma de fazer políticas públicas em nosso estado e nos municípios, isso sem falar nas ações advindas de organizações não governamentais e privadas como o Lixo Zero Várzea Grande e o Teoria Verde que realizam encontros digitais abertos ao público como o Encontro Lixo Zero Digital – Boas Práticas na gestão de resíduos em suas devidas cidades.
Esta crise pode nos levar a pensar em formas diferentes de prevenção a novas pandemias e a evitar novas crises.
E, quanto à água tratada e ao esgotamento sanitário das nossas cidades. Os municípios de Mato Grosso estão fazendo o dever de casa evitando a poluição dos rios, e proporcionando água tratada à sociedade?
Mato Grosso se tornou o único a ter 100% dos municípios com plano de saneamento, com investimentos de R$ 11,5 milhões. Pelos dados oficiais temos 101 novos projetos em vários municípios do estado. Mato Grosso garantiu o investimento de R$ 3 milhões, pelo período de cinco anos, no fortalecimento dos Comitês de Bacias Hidrográficas em parceria com Agência Nacional das Águas. E sabemos também que se tem se intensificado a fiscalização do poder público na exigência de Licença Ambiental para empreendimentos com potencial poluidor.
Em Mato Grosso, tanto o Meio Ambiente como as pessoas sofrem com as queimadas. Existe uma ação efetiva para mudar esse quadro que possa ser adotado pelo Poder Público e também pela sociedade?
De acordo com dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), nos primeiros seis meses de 2019, houve um aumento de 57% dos focos de calor, se comparado ao mesmo período do ano passado. Uma forma efetiva de solucionar é ampliando instrumentos de respostas ao combate de incêndio florestais, e mais equipes terrestres. Existem brigadas municipais, bases descentralizadas, brigadas indígenas, mas ainda faltam recursos para custear essas ações e equipes em campo. E também o Novo Código Florestal de 2012, sob forte pressão e mobilização dos ruralistas, flexibilizou bastante a punição contra o desmatamento ilegal ocorrido no passado e reduziu as áreas de propriedade rurais que deveriam ser preservadas, ou seja, não desmatadas – as Reservas Legais (RL) e Áreas de Preservação Permanente (APP). Este ano o período proibitivo de queimadas em MT foi antecipado para o dia 1º de julho, devido aos fatores climáticos e riscos que a poluição do ar traz à saúde humana, especialmente em um momento que o mundo enfrenta a pandemia da Covid-19, que é uma síndrome respiratória. Os proprietários rurais estão proibidos de realizar qualquer atividade de limpeza de pastagem com o uso do fogo. E na zona urbana, as queimadas são proibidas durante todo ano. Mas só teremos zero queimadas com a mudança e conscientização da sociedade.
Fique à vontade para fazer suas considerações finais sobre o tema.
Com a pandemia do COVID 19, a questão ambiental ganhou mais destaque e foi reposicionada no quesito planejamento urbano das cidades. No qual está sendo necessário repensar como podemos nos adequar à nova realidade, as políticas voltadas para cidades resilientes e inteligentes vem ganhando força da sociedade civil, poder público e privado. A questão ambiental está em ênfase e sendo muito discutida nos meios digitais e mídias sociais com fomento de atitudes e práticas mais sustentáveis.
O principal ponto é que apesar de não sabermos ainda como será o desenrolar das coisas após o término da pandemia, toda a geração que passar por este trauma – em escala mundial – sairá com novas visões sobre o mundo. Este longo período, que ainda segue em curso, de trabalho em regime de home office, redução de viagens e restrição de eventos com grandes multidões, vem alterando nossos hábitos e, de certo modo, incentivando o mundo todo a refletir sobre este momento. Esta crise pode nos levar a pensar em formas diferentes de prevenção a novas pandemias e a evitar novas crises. A maior lição com esta pandemia, é a confirmação de que decisões políticas sem fundamento podem afetar em cheio as nossas cidades e o meio ambiente.
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