
A CPI da Energisa, em pleno andamento na Assembleia Legislativa, investigando as chamadas “supercontas” e a qualidade dos serviços prestados pela concessionária no Estado, dá voz a milhares de consumidores que se sentem lesados em Mato Grosso – se transformando também em canal que amplia os debates em torno do tema.
Nesta Entrevista da Semana ao FocoCidade, o presidente da Comissão de Defesa do Consumidor da OAB Seccional Mato Grosso, Carlos Rafael Demian Gomes de Carvalho, observa a “abertura do mercado de distribuição de energia elétrica no Estado” como ponto de discussão.
“Defendo a abertura de mercado e a possibilidade de aplicar a portabilidade de energia, alterando assim o modelo comercial de energia elétrica no país com a intenção de, progressivamente, permitir que os pequenos consumidores possam optar por fazer parte do mercado livre, hoje restrito a grandes consumidores de energia”, assinala.
Um dos itens que mais gera dissabores na maioria da população se atém ao impacto da alta carga tributária – se aplicando como luva no caso das contas de energia elétrica no Estado. “Assim é que o consumidor brasileiro já chegou ao seu limite. Somando os impostos e má prestação de serviço o resultado é a indignação e revolta da população”, assevera Carlos Rafael.
Seguindo a análise, o representante da OAB considera a importância de o consumidor buscar respaldo de órgãos fiscalizadores antes de acionar a esfera judicial, e destaca: o consumidor bem informado jamais será enganado.
Breve histórico
Professor, advogado - Presidente da Comissão de Defesa do Consumidor OAB-MT (1ª gestão 2013-2014) e atualmente. Coordenou o Procon Cuiabá-MT ( 2014-2016) , foi vice-presidente da Comissão de Direitos dos Idosos OAB-MT (2017-2018). Debatedor oficial da Rádio Justiça STF - Brasília. É também vice-presidente da Comissão de Consumidor da IAMAT ( Instituto dos Advogados de MT).
Conquistas: "hoje o consumidor cuiabano vai aos cinemas podendo levar seu lanche e milkshake etc. sem ter que jogar fora. Hoje a Aguas Cuiabá - CAB não barra a troca de UC nos CPFs". Enquanto Diretor do Procon, levou atendimento aos bairros e educação para consumo em escolas a alunos do ensino médio e fundamental.
Confira a entrevista na íntegra:
Os valores das faturas da concessionária de energia no Estado, a Energisa, chamaram tanto a atenção, sendo alvo de reclamações constantes pelo aumento substancial, ou “gritante”, que culminou na CPI na Assembleia Legislativa. Qual sua leitura sobre esse quadro?
O grande problema da conta de energia não é só a má prestação de serviço por parte da concessionária bem como a ausência de transparência e lisura na aferição, mas sim a composição do total da fatura, em média o consumidor de MT paga cerca de 40% só de impostos. Assim é que o consumidor brasileiro já chegou ao seu limite. Somando os impostos e má prestação de serviço o resultado é a indignação e revolta da população.
Os representantes da empresa costumam pontuar que geralmente as contas sofrem aumento porque “aumentou o consumo”. Mas como fazer essa real medição, que pontue a certeza ao consumidor sobre a aplicação de valores condizentes ao praticado?
Os medidores são da Energisa, isso é fato. Ela os compras de certos fabricantes que, para vendê-los, devem submeter uma amostra de cada lote fabricado a aferições do INMETRO. Obviamente, não são todos os medidores que são aferidos antes de ser instalados. Mas, uma porção do lote de fabricação deve ser aferido. Isso, pelas regras do INMETRO, garante que determinado lote de medidores registre o consumo correto! Adicionalmente, todo consumidor tem o direito de solicitar a aferição do seu medidor. A aferição no Estado de Mato Grosso é realizada pelo IPEM/MT - Instituto de Pesos e Medidas de Mato Grosso. Esse instituto é um órgão público da administração estadual e possui credenciamento junto ao INMETRO para fazer tais aferições. Em tese, são esses os mecanismos para o consumidor poder “confiar” no equipamento de medição instalado na sua unidade. O consumidor pode acompanhar a verificação de medidor de energia no Ipem-MT. Não é favor, é um direito previsto na Resolução Aneel 414/2010 e Portarias do Inmetro 587/2012 e 285/2008. Acredito que a CPI instaurada deva convocar os órgãos aqui citados e juntamente com Procon realizarem uma fiscalização mais intensa e inspecionar as aferições in loco.
O contexto da bitributação do ICMS sobre a fatura de energia elétrica é um polo que deveria entrar em discussão, na sua opinião?
Sim, o ICMS incide sobre o próprio ICMS, a alíquota definida em lei é incidente sobre o valor total/global da conta (o que inclui o próprio ICMS). Para o STJ, o consumidor tem legitimidade para contestar a cobrança de ICMS no caso de energia elétrica que, apesar de contratada, não foi efetivamente consumida. De acordo com a Súmula 391 do STJ, o ICMS incide sobre o valor da tarifa de energia elétrica correspondente à demanda de potência efetivamente utilizada. O entendimento foi firmado há dez anos em julgamento feito pela 1ª Seção (REsp 960.476), sob a sistemática dos recursos repetitivos. Para a corte, é ilegítima a cobrança do imposto sobre todo e qualquer valor relacionado à demanda reservada de potência, sendo devida apenas a parcela relativa à demanda contratada de potência efetivamente utilizada pelo consumidor. Atualmente, o tema está pendente de julgamento no Supremo Tribunal Federal, no Recurso Extraordinário 593.824-7, sob a sistemática da repercussão geral.
Sabemos que as reclamações no Procon são reiteradas em relação aos valores das contas de energia elétrica. Mas nem sempre o resultado dessas ações é satisfatório. Nesse sentido, o melhor caminho é buscar a via judicial?
Acreditamos e defendemos que a via judicial deve ser a última hipótese de tentativa de solução de conflito, em qualquer caso. É morosa, não há especialidade e é custosa. Existem outros órgãos que atuam (PROCON- AGER e ANEEL), na via administrativa, que podem dar uma solução mais rápida e especializada. Porém, em muitos casos, os consumidores não têm a sua demanda considera procedente nesses órgãos, o que leva a uma insatisfação na atuação dessas entidades.
Outro ponto de debate se atém a situações consideradas abusivas, como o “refaturamento” de unidades – além da assinatura do termo de confissão de dívida. Como isso ocorre e o que pode ser feito?
O “refaturamento” é uma possibilidade prevista no regulamento do setor elétrico, ou seja, se a distribuidora faturar valores incorretos (seja a maior ou menor) ela tem o direito/dever de refaturar (a norma usa o termo compensar) o consumo errado. Lógico (não deveria ser) que a maior parte dos refaturamentos/compensações são relacionadas à cobrança de valores a menor (e não a devoluções de valores cobrados a maior). Nesse sentido, nestas hipóteses, deve-se verificar se, realmente, houve faturamento a menor que justifique a compensação. Em relação ao termo de confissão de dívida, a problemática se dá ao fato de que o consumidor hipossuficiente da relação, não tem conhecimento dos dados e da métrica ali praticado na “suposta cobrança de dívida de faturas anteriores”, a preocupação dele é: necessito pagar essa conta, para que não tenha minha energia cortada, e ainda estou parcelando, então ele assina. Ocorre que depois de levar essas leituras a um advogado especialista, verifica-se que os valores ali calculados ou são ilegais ou equivocados e assim ao questionar na via judicial buscando o ressarcimento e a declaração da inexistência do débito, o Poder judiciário reconhece o documento de confissão como Ato Legítimo e por isso não é mais possível de contestar.
A qualidade dos serviços prestados pela empresa (Energisa) também tem sido questionada. Na sua interpretação, o que precisa avançar. A fiscalização é falha?
Precisamos ter políticas públicas de proteção e defesa ao consumidor mais fortes e eficientes. Não creio que o problema seja na falha da fiscalização, entendo que órgãos como o PROCON possuem excelentes e capacitados profissionais e que vem fazendo um bom trabalho dentro do estado, porém o que se observa é a ausência de estrutura para tais, cabe ao poder executivo promover essas políticas e estruturar as equipes de controle e fiscalização dando melhores condições de trabalho, equipamentos condizentes, treinamentos específicos e principalmente aumentar o contingente. Somos 141 municípios para uma equipe reduzida de fiscais que fazem um trabalho árduo e de muito enfrentamento. A participação do Ministério Público também é muito importante nesses momentos.
Como representante da OAB nessas discussões, quais as ações já tomadas?
Estamos atrelados a uma única empresa, sendo bom ou ruim o serviço da Energisa o consumidor de Mato Grosso não tem escolha. O modelo atual de concessão/distribuição de energia no Brasil precisa ser alterado. A discussão é muito maior e mais ampla do que o debate só a nível de Mato Grosso. Defendo a Abertura de Mercado e a possibilidade de aplicar a Portabilidade de energia, alterando assim o modelo comercial de energia elétrica no país com a intenção de, progressivamente, permitir que os pequenos consumidores possam optar por fazer parte do mercado livre, hoje restrito a grandes consumidores de energia. A ideia é que, a longo prazo, ocorra com o setor elétrico o mesmo que aconteceu com o setor de telefonia. No caso dos consumidores residenciais, por exemplo, a relação com as distribuidoras será mantida apenas para o serviço de distribuição, e a liberdade para a compra se dará no caso da comercialização de energia com a geradora. Sou um grande entusiasta de que a livre escolha incentiva a competição entre os fornecedores e a oferta de produtos diversificados aos consumidores, adequados às necessidades de cada um, teremos transparência de preços: incentivando o consumo em momentos de maior oferta e sinalizando a escassez, proporcionando eficiência no uso da eletricidade. Consequentemente teremos uma pressão inflacionária, com a redução de preços e a desindexação de contratos que reduz o estímulo à inflação. Assim a competição estimula o surgimento de novas fontes de financiamento e produtos financeiros na área elétrica, dinamizando o mercado, gerando novos empregos e renda. Nosso estudo será encaminhado aos representantes de Mato Grosso no Congresso, a OAB-MT continuará auxiliando os representantes do setor público nos aspectos técnicos e jurídicos, e aqui continuaremos na luta pela defesa do consumidor, orientando a população do nosso estado em como e quando defender seus direitos e utilizar-se da lei vigente.
Mensagem ao consumidor.
O consumidor bem informado jamais será enganado. Todos somos consumidores.
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