Você trabalharia se não precisasse? Essa pergunta sempre soou como fantasia futurista, mas voltou ao centro do debate depois que Elon Musk afirmou, dias atrás, que em 10 a 20 anos o trabalho será opcional. Segundo ele, viveremos em um cenário onde robôs cuidarão de tudo, e ter um emprego será mais parecido com cultivar uma horta ou jogar videogame do que com uma obrigação econômica.
A imagem pode fascinar, uma "abundância sustentável", com renda básica universal elevada, acesso pleno à saúde, moradia e transporte, e humanos libertos da engrenagem produtiva. Mas é justamente aí que mora a provocação: estamos falando de liberdade de escolha ou do luxo reservado a uma elite tecnológico-financeira?
Porque, sejamos honestos: abundância para quem?
A história mostra que revoluções tecnológicas raramente distribuem riqueza de forma igual. Alguns países e grupos surfam a onda; outros, simplesmente afundam. Não é coincidência que metade dos estudantes de Harvard já tema que a IA torne suas futuras carreiras irrelevantes. O medo de se tornar descartável não é teoria, é sentimento geracional.
E mesmo que governos adotem modelos como a Renda Básica Universal, isso resolve apenas parte do problema. Renda substitui salário. Mas não substitui o propósito. A ausência de pertencimento gera um risco real: o de formar o que Yuval Harari chama de uma "geração de inúteis", não por incapacidade, mas por irrelevância econômica. Ninguém quer viver num futuro estilo Idiocracy: tecnologia de sobra, humanidade em falta.
Do outro lado dessa discussão está Jensen Huang, CEO da NVIDIA, que prevê algo bem mais pé no chão: não vamos parar de trabalhar, vamos trabalhar diferente e talvez até mais. A IA abrirá novas ideias e projetos, e nosso tempo será preenchido por atividades que ainda nem conseguimos imaginar. Ou seja, o futuro do trabalho permanece uma briga de narrativas: libertação pela tecnologia ou intensificação do esforço humano?
O fato é que, enquanto projetamos 2050, o presente já dá sinais de turbulência. Jerome Powell, presidente do Federal Reserve, alertou que a criação de empregos nos EUA está "perto de zero". Empresas gigantes congelam contratações e fazem demissões em massa citando IA como justificativa, ao mesmo tempo em que investem bilhões em automação. É o famoso "tira com uma mão e coloca com a outra", mas, por enquanto, quem está sentindo a dor são os trabalhadores, especialmente os de funções repetitivas e de entrada.
E se Musk está pintando uma utopia no horizonte, não podemos ignorar o cenário mais provável: trabalho opcional pode virar sinônimo de privilégio. Como disse Ali Gohar, "a maior divisão será entre aqueles que poderão se dar ao luxo de não trabalhar e os que não poderão".
O que fazer, então? Esperar o futuro chegar? Nem pensar
O único caminho realista é a preparação: individual, corporativa e social.
Nas empresas, vencerá quem transformar sua força de trabalho em "supertrabalhadores" aumentados por IA, em vez de substituí-los por algoritmos. Isso significa tornar reskilling e upskilling partes estruturantes do negócio, não campanhas motivacionais de fim de ano. Exige parcerias com universidades, hubs de tecnologia, organizações sérias e até o poder público. Inovar sozinho é brincar de futuro e perder.
No plano individual, a agenda é ainda mais clara:
- Aos 20 anos, o desafio é não afogar-se no excesso. A geração Z entendeu que carreira linear acabou. Polyworking virou norma, e 60% dos brasileiros têm dois ou mais trabalhos. Isso traz autonomia, sim, mas também burnout, se mal administrado.
- Aos 40, é hora de reinvenção consciente. Quem cresceu acreditando em estabilidade precisa entender que atualização constante virou questão de sobrevivência. Misturar experiência com ousadia não é opção; é exigência.
No futuro, cada pessoa será quase uma startup de si mesma, negociando, construindo marca pessoal e encontrando nichos onde humanos ainda fazem diferença. E isso inclui preparação financeira. Requalificar-se, mudar de área, pausar para aprender... tudo isso custa. Transições bem-sucedidas não são atos impulsivos, são estratégias planejadas com orçamento, reserva e visão de médio prazo.
E é aqui que deixo a reflexão final provocativa, mas necessária.
Se o trabalho do futuro for mesmo opcional, apenas os relevantes poderão escolher não trabalhar. Os demais serão empurrados para a irrelevância econômica, social e até emocional.
A linha que separa utopia de pesadelo não será traçada pela tecnologia. Será traçada pela nossa postura.
Robôs podem fazer quase tudo. Mas relevância, propósito e humanidade continuam, e espero que sempre continuem, sendo tarefas exclusivamente nossas.
*Adriana Melo é mentora financeira, especialista em finanças e tributação, com mais de 20 anos de experiência em finanças corporativas, planejamento, controladoria e uma especialização estratégica em tributação - diferencial raro entre executivos da área.


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