Muito mais importante do que códigos e leis, como jurista, foi ter aprendido o significado de justiça, paz e solidariedade, os direitos humanos e fundamentais de toda gente e de todos os povos.
Também que os direitos são conquistados, mediante luta, como ensinou o grande jurista alemão Ihering. Não são concessões gratuitas.
Igualmente que a sociedade economicamente é desigual, em um sistema que promete a todos poderem chegar no topo a depender dos seus esforços.
Quando vemos uma imensidão de pessoas sem terras para roçar, plantar, colher e prover o pão de cada dia para sua família, sem agrotóxicos, só orgânicos, sem tetos para se abrigar e não ser abatido pelos ventos, pelo granizo, pelo sol escaldante, pelo frio e pelas chuvas, muitos morrendo em seu leito sobre um pedaço de papelão na calçada, comida para alimentar, inclusive crianças desnutridas, que morrem antes da hora, por culpa nossa, enquanto os ricos ficam cada vez mais ricos, acumulam cada vez mais terras e outros bens, vivem em iates na Jurerê Internacional, ou passeando em Paris, Roma ou Amsterdã, a luta de classes salta aos olhos.
Outrossim, a diversidade não é respeitada, como mecanismo de controle social, sofrem e morrem os indígenas, os negros, os gays e as mulheres, principalmente, como vítimas desse padrão excludente, que diz veladamente quem pode e/ou deve viver, quem pode e/ou deve morrer.
Enfim, esse pensamento crítico e a capacidade de leitura e compreensão da realidade, em boa parte, quem nos dá são as matérias propedêuticas, as chamadas de humanas e/ou sociais, em Direito de Zetética Jurídica, termo desconhecido por nove entre 10 bacharéis, para ser generoso.
São elas a filosofia geral, a filosofia do Direito, a sociologia geral, a sociologia do Direito, a antropologia geral e a antropologia do Direito, psicologia geral e jurídica, história do pensamento jurídico e introdução ao estudo do Direito, além de nichos temáticos, que aplicam esses saberes a ramos específicos do Direito, como criminologia.
Por exemplo, na minha opinião, um "criminalista" que decora códigos penal e de processo penal, além de leis extravagantes, todavia desdenha do estudo aprofundado da criminologia e de toda a Zetética Jurídica, não pode ser considerado um criminalista, um cientista da área, no máximo, um técnico, que vai lá, bate o prego e pronto, no entanto, não sabe explicar da onde o prego veio, para onde vai, sua durabilidade, resistência e porquê o prego ao invés doutro recurso. Enfim, age mecanicamente, sem pensar.
Escrevi tudo isso para dizer que se o Brasil não teve nenhum vencedor do prêmio Nobel até aqui, com as restrições, senão extinção das humanas, proposta pelo ministro da Educação e avalizada pelo presidente Bolsonaro, pode computar mais um século, para depois disso termos alguma chance de chegar lá.
Enquanto isso será o apagar das luzes novamente, alhures acesas pelo Iluminismo, que superou a Idade Média, o "período das trevas", e resgatou o direito fundamental do livre pensar, se manifestar e autonomia filosófica, científica ou de cátedra, agora em risco no Brasil.
Se Voltaire estivesse por aqui, para citar apenas um exemplo, sem falar Nietzsche, muito mais polêmico, provavelmente ia para a cadeia, sobretudo se fosse o militante político e produtor de teratologias jurídicas, Sérgio Moro, o juiz da causa. Ia mandar Voltaire para o calabouço, pelo simples fato de proclamar que "ainda que eu discorde de tudo o que você pensa, diz e fala, morrerei, se preciso for, defendendo seu direito de se manifestar contrariamente a mim".
Sim, Voltaire seria preso. Pois, pelas bandas de cá, um ministro da Educação que não é egresso do sistema nacional de educação, não é professor, não sabe absolutamente nada do que foi acumulado e construído na educação brasileira desde a promulgação da Constituição Cidadã de 1988, e, assim como sorvete tem a ver com buchada de bode, foi retirado do sistema financeiro, como economista, onde prestou consultoria durante 20 anos.
Entendeu!? É tipo assim, você pega um veterinário com especialidade em pequenos animais, cachorros, gatos, papagaio e outros, que não faz outra coisa há 20 anos, e num piscar de olhos você retira ele de lá e o coloca para trabalhar como mecânico de máquinas pesadas. Tem como dar certo isso? Óbvio que não!
Retornando, matar as humanas, é como matar o pensamento, o início, o meio e o fim dele, sua própria existência e manifestações fenomenológica. É acabar com a "filo" e a "sofia", que, em grego, significa "amor" pelo "conhecimento". Como diz o Evangelho, Paulo para ser mais preciso, "sem amor, de nada adianta todo o resto".
Só para formular um exemplo, o que efetivamente superou a Idade Média, depois o Holocausto etc., não foi a técnica dos juristas, engenheiros, médicos ou soldados. Fosse assim, a guerra na fronteira de Gaza já tinha terminado tem muito tempo. Cada um cumpriu seu papel e deu sua colaboração dentro da sua respectiva responsabilidade técnica.
Os alemães tinham todos esses técnicos, parte deles considerados geniais no que faziam, doutores universitários em áreas não afeta às humanas. Talvez, se ele tivessem se dedicado um pouco mais ao pensamento crítico e humanitário, e não se deixado ser conduzidos como uma boiada, milhões de pessoas não tinham cruelmente sido assassinadas, nesse genocídio exponencial.
O que convenceu mais de cem países, logo depois da segunda guerra mundial, a criar uma organização onde todos teriam acento e buscariam evitar a todo custo a terceira guerra mundial, bem como a solução pacífica dos conflitos entre Estados soberanos, a Organização das Nações Unidas (ONU), em 1945, logo após a edição da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948, que veio a substituir a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, 1789, fruto da Revolução Francesa.
Na mesma esteira, o processo de redemocratização do país e a Constituição Federal de 1988, que teve como timoreiro o saudoso Ulysses Guimarães, não foi a técnica, o bisturi, a caneta, o compasso ou os canhões, foram os ideais e as ideias que pululavam das diversas correntes do pensamento político, científico e filosófico, sem discriminação, culminando em uma conciliação de propósitos liberais e sociais.
O Mundo todo conhece e reconhece esse processo. Proponha extinguir as humanas no Canadá, Israel, Alemanha ou França, para ver o que acontece. O pau quebra, o ministro e, se duvidar, caso tenha avalisado, o presidente cai.
Essa aberração só pode ter vindo de pessoas que não tem apreço pela educação emancipadora. Melhor, nem sabe o que significa educação. Aprender a ler e escrever, sendo contra a liberdade do pensamento e do pensamento crítico, tendo medo de ambos na verdade, por incompetência ou más intenções, gera pessoas como o Excelentíssimo Presidente da República, Bolsonaro, teleguiado pelo seu guru intelectual, megalomaníaco e simplesmente ignorado no resto do Mundo, Olavo de Carvalho.
O negócio é manter o gado no pasto.
Paulo Lemos é advogado em Mato Grosso.
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