• Cuiabá, 21 de Novembro - 00:00:00

Quem vai cuidar da saúde mental de quem perdeu tudo?  

Recentemente, acompanhamos uma situação trágica que aconteceu em Cuiabá. O Shopping Popular foi devastado pelo fogo, deixando mais de 600 microempresários amargarem sérios prejuízos financeiros e patrimoniais. O desastre afetou a vida de pelo menos 3 mil pessoas, gerando desempregos, medo e angústia.

Para além da questão econômica, há ainda um dano emocional que precisa ser contornado. Será que essas famílias que perderam tudo estão obtendo suporte psicológico adequado para passar por esse momento de luto? O que tem sido feito para preservar a saúde mental e emocional desses trabalhadores? Para lhes devolver segurança e esperança no futuro?

Quando falamos do Shopping Popular, é fundamental fazer um recorte sociocultural. Naquele espaço se reunia uma parcela considerável de pessoas que já viveu em situação de vulnerabilidade e marginalização por trabalhar como "camelô". Pessoas que muitas vezes foram presas ou tiveram barracas destruídas em ações policiais por não serem bem-vindas no centro da nossa querida cidade.

Como profissional da saúde há mais de 35 anos, seja atuando como funcionária pública, seja como representante do Conselho de Psicologia, sempre trabalhei em prol do fortalecimento de políticas públicas que ofereçam maior suporte à sociedade no que tange à saúde mental, sobretudo àquelas parcelas da população que já vivem exclusões e outros tipos de violências cotidianas.

Obviamente que perdas econômicas são fatores extremamente estressantes, ninguém deseja a "morte de CNJPs". No entanto, é importante destacar que o ser humano tem uma incrível capacidade de se superar quando obtém o suporte necessário. Assim como aconteceu em outras tragédias, como a do Rio Grande do Sul, é possível extrair riqueza no caos: resiliência, cooperação, compaixão, criatividade, capacidade de resolução de conflitos etc.

Passado o "susto" e a mobilização inicial, sabemos que as famílias continuarão enfrentando adversidades de toda a natureza. Seguir em frente, portanto, não significa que não continuarão lidando com emoções difíceis, por isso é tão necessário obter o suporte adequado para não buscar outros caminhos (como álcool e drogas) no intuito de administrar a dor emocional. Há ainda casos graves, de pessoas que podem desenvolver ou agravar quadros de doenças psíquicas chegando ao ponto de cometer suicídio.

Outro ponto relevante ao se analisar catástrofes é a postura do povo brasileiro em buscar "culpados" ao invés de se colocar como "corresponsável" pelos acontecimentos. Um exemplo simples é achar que ao colocar o lixo fora estamos terceirizando nosso compromisso com a sustentabilidade do Planeta. Mas será que existe mesmo o "lá fora"? Será que os muros da indiferença me impedem de ver que sou parte dos problemas e das soluções para o mundo "melhor" que tanto almejo?

Como profissional com formação em prevenção a desastres, posso afirmar que falta a nós brasileiros um processo educacional contínuo para exercer de maneira proativa a cidadania, de modo a cobrar das autoridades investimentos em ações de planejamento e prevenção. No caso do Shopping Popular, vimos notícias dizendo que o espaço não tinha alvará contra incêndio, nem seguro do patrimônio. Como assim?!!!

Outras perguntas pertinentes: Como está o quadro de bombeiros em Mato Grosso? O efetivo é suficiente para o atendimento? Está preparado para atuar rapidamente, pois soubemos que o fogo destruiu o Shopping Popular em menos de 30 minutos. O fato de Cuiabá ser uma capital quente potencializa queimadas e incêndios, isso tem sido levado em conta pelas autoridades públicas ao planejar as ações?

No caso dos comerciantes que estão vivendo o luto das perdas experimentadas nesta semana, claro que questionamos o porquê de não terem seguro se tudo que possuíam estava dentro das lojas. Mas já acompanhamos outros empresários de Cuiabá que tiveram seu negócio consumido pelo fogo e que não possuíam seguro. Existem muitas camadas de explicação para esse comportamento.

Deixo aqui um importante convite para o despertar de consciência para o que precisamos realmente "aprender" com essas tragédias, seja para tentar evitá-las, amenizá-las ou sobreviver da melhor forma a elas, nos tornando realmente mais fortes como seres humanos e cidadãos, lembrando que esse patrimônio emocional não pode se perder nas cinzas das paredes que ruíram. Desta vez, foram os comerciantes do Shopping Popular, amanhã pode ser você. Vamos pensar sobre isso?

 

Marisa Helena Alves é psicóloga, professora da Universidade Católica de Mato Grosso, mestre em Psicologia, com especialização em Saúde Mental e Psicanálise e Educação pela UFMT, ex-conselheira do Conselho Regional de Psicologia.



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