Arrisco dizer que uma parcela considerável de consumidores no Brasil conhece ou pelo menos já ouviu falar na existência do CAC e da ouvidoria de alguma empresa. A dinâmica obedece a uma hierarquia, pela qual a ouvidoria entra em ação quando o CAC se mostra inoperante – pelo menos para o consumidor – ou insuficiente para sanar um conflito. Seu papel, então, é de captar todos os conflitos não solucionados até aquele momento. É a última instância interna para qualquer resolução de problema. Por isso, é um departamento cuja razão de ser é a responsabilidade de dar fim a desacordos ainda em aberto com o cliente.
Falei em cliente porque é, de certo modo, natural que associemos esse tipo de relação com modelos de negócios baseados no B2C. Mas a abertura de diálogo para a resolução de conflitos é passível de ocorrer em muitas outras circunstâncias. Em grandes empresas, cujo relacionamento se aproxima de organizações que não são consumidores pessoa física, as possibilidades de conflitos são igualmente reais. E existem até mesmo os casos em que sequer há a presença de um consumidor.
Em anos recentes, vimos grandes empresas do setor de mineração, por exemplo, renderem-se à necessidade de investir na abertura de canais de comunicação com comunidades direta e indiretamente afetadas por suas atividades. Não eram consumidores de seus produtos, mas sentiam de perto seus efeitos. O mesmo ocorre na indústria petroquímica, na siderurgia, no setor de fabricação de celulose e papel, bebidas, construção civil, dentre tantos outros.
Além destes, também há uma rede de relacionamentos que se constituem indiretamente com pessoas próximas ao que poderíamos chamar de clientela. Hospitais e clínicas, por exemplo, precisam manter essa sintonia com familiares e amigos de pacientes internados ou atendidos, de modo a estabelecer um diálogo efetivo e aberto à resolução de eventuais conflitos decorrentes de um determinado serviço. Portanto, a relação padrão empresa-cliente não é, exclusivamente, a que mobiliza a necessidade das mediações.
Do ponto de vista corporativo, e independente do vínculo entre as partes, o ideal é que a resolução ocorra no âmbito da ouvidoria. Reconhecemos a prevalência desse departamento no setor privado, mas a experiência desse serviço já é consagrada na esfera pública. As autarquias e outras empresas governamentais aprenderam a usar com vigor o órgão para minimizar os atritos com a população. O conhecimento nos mostra que, aliando esse nível de atendimento com a mediação de conflitos, há uma forte tendência de redução das crises entre moradores e administração pública.
No mundo ideal, a ouvidoria é o lugar onde todos os conflitos simplesmente se dissolvem. Mas a escala de atrito é variável e imprevisível, e em alguns casos pode evidenciar um distanciamento mais forte entre os envolvidos. Ainda que a ouvidoria tenha o papel de apagar o incêndio, ocorre de uma solução adequada passar pela presença de um ator externo que seja não apenas isento em relação ao conflito, mas também capacitado para escutar ativamente e tratar o conflito de forma adequada.
Isso não apaga a relevância da ouvidoria nesse processo, mas confere-lhe um papel de complementaridade em relação a uma mesa de resolução. Inclusive com autonomia para acompanhar o processo e os caminhos tomados até a costura de um acordo. Além disso, compete ao setor criar meios de resolver e, antes disso, de prevenir os conflitos a partir da identificação de padrões de reclamações.
O mapeamento dos principais problemas também contribui para observar a forma como eles são solucionados, criando modelos de propostas que auxiliem nessa resolutividade, com celeridade. É muito importante, para a própria imagem da organização, que os conflitos sejam solucionados o mais rápido possível. A justiça comum não oferece nem considera essa opção. As ações judiciais representam um intervalo inquietante, que tende a protelar o abismo que distancia as partes.
A solução de conflitos, por outro lado, confere um grau de eficiência que começa pela construção de um acordo, a partir de um canal aberto para manifestações dos dois lados. Esse elo já faz suscitar uma possibilidade de reaproximação, beneficiando tanto a empresa quanto seu dissidente. Assim, o diálogo formalizado nas mesas de resolução de conflitos torna-se, de longe, o melhor mecanismo favorável a uma decisão saudável.
Camila Linhares é advogada e CEO da Unniversa Soluções de Conflitos.
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