O agir, proceder e a maneira de ser formam um tripé-comportamento de cada pessoa. Ele é revelador. Revela bem mais do que se imagina. Revela, na verdade, o jeito particular, individual. Jeito adquirido, formado e construído ao longo do tempo. Até porque ninguém herda biologicamente o que se é. Ainda que se queira que assim fosse, ou venha a dizer: “está no sangue”, “não tem como fugir”, “filho de peixe, peixinho é”.
Frases, independentemente da época, estão sempre em voga, moda, repetidas em demasia. Mas, na realidade, nada dizem sobre o ser humano falado. Por mais que se diga ao contrário. Falam bastante. Muitos acreditam no que se ouvem. Falar de si mesmo sempre foi o tema preferido. Isso não é de hoje. Mas, com o advento da Internet, reforçou-se bem mais essa prática. As redes sociais funcionam, e muito bem. Fotos de todo lado. Constroem-se imagens, fabricam-se cenários e falseiam coisas que não existem. Dizem o que são, sem jamais terem sido.
E, por aí, vão, contando proezas imaginadas, fantasiadas. Contam tanto, mas tanto, que eles mesmos acreditam no contado. A menos que retirassem deles os espelhos. Seriam uma espécie de Alferes machadiano, que não via sua própria imagem refletida ao espelho. E só voltou a vê-la, quando vestiu a farda, há muito esquecido por um canto.
Incontáveis internautas se sentem assim, e sentiriam, caso não estivessem a fazer pose para uma boa imagem nas redes sociais. Já são tão íntimos dos espelhos. Bastantes, a ponto de descreverem a si mesmos como patriotas, simplesmente pelo fato de torcerem pelo presidente do país. Todo patriota pode ser um torcedor em potencial, mas nem todo torcedor é um patriota, até pelo fato de endeusar a figura-razão da torcida. Colocando-a acima da própria pátria, e esta, não aquela, quem deveria ter o apreço e a devoção do patriota. Invertem-se os valores.
Rasgam-se os princípios. E, pior, a Pátria é deixada de lado, esquecida a um canto, desprestigiada. A figura-razão da torcida passa a ser tudo. Tudo e mais alguma coisa. Não aceita que falem dela. Ainda que o falado seja a pura verdade. Daí se apega as versões ao invés de se ater aos fatos. Fatos que são substituídos pelas narrativas. Narrativas que são rosários de predicados sobre a pessoa-objeto da torcida. Torce-se por ela, simplesmente.
Os que não se encaixam nessa condição são taxados de não patriotas, não quererem bem a Pátria, não amar a Nação, ainda que por aqui tenham nascidos. Nascer é descartado se estiver longe do grupo de torcedores. Grupo significativo, importante, embora não seja a imensa maioria da população. População que nunca foi singular. Ainda que se queira que ela seja.
Aliás, a ditadura Varguista (1937-45) e a do regime militar (1964-85) a quiseram uniformizar. Quiseram apagar sua pluralidade. Tentaram, destruíram muitas coisas. Mas, felizmente, a pluralidade, inapagável e inquebrantável, continuou intacta. A pluralidade é a marca de toda sociedade, comunidade, ainda que seja minúscula. Embora sempre fora e será sujeita ao endeusamento de uma dada pessoa, ao ufanismo.
Cenas de hoje não são novas, nem inéditas. Já se viu isso muitas vezes por aqui. Sempre se pensou em “Salvador da Pátria”. Mas tal “Salvador” não existe, jamais existiu. Verdade, contudo, escondida, camuflada, abafada no escaninho, até para que o ufanismo se impregne e torne-se o que jamais fora. O dizer que é não o faz sê-lo, nem a pregação de que seja, o torna o que nunca fora.
Este é o ponto. Ponto para qualquer discussão sobre o cenário político. Importante para se tiver a noção e a clareza de que os problemas reinantes não são, nem serão expurgados com a voz rouca de quem quer que seja, mas com muito trabalho, programação e planos de ação. Não de maquiagem. Maquiam-se quem substitui os fatos pelas versões, a realidade pela fantasia. É isto.
Lourembergue Alves é professor universitário e analista político.
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