"Se ela ganha mais, o casamento balança" é uma afirmação que chama atenção, mas os números mostram algo real: mulheres que ganham mais que seus parceiros se tornaram um grupo crescente. Ao mesmo tempo, esse avanço econômico não anulou as tensões emocionais, ele apenas as transformou. O cérebro humano continua operando sob padrões ancestrais, conforme explica o neurocientista Dr. A.K. Pradeep. Ele aponta que, mesmo vivendo num mundo de MBA, home-office e fintechs, nosso sistema límbico ainda associa segurança ao provedor tradicional e sobrevivência a quem é protegido. Em outras palavras, evoluímos nos feitos, mas muitos dos megapadrões internos permanecem.
Essa dissonância se manifesta nas dinâmicas de casal. Quando a mulher conquista poder e renda, ela desafia não apenas o ego masculino, mas também uma construção feminina sobre a própria vulnerabilidade. Durante séculos, o "homem provedor" foi símbolo de status social e validação afetiva. Hoje, seguimos consumindo narrativas, dos doramas às novelinhas turcas, em que o homem rico, forte e distante salva a protagonista indefesa. Essa ficção reforça um código emocional: mesmo mulher independente, você "deveria" poder ser cuidada.
Não bastasse a ficção, proliferam os gurus do relacionamento que pregam fórmulas como "recupere sua energia feminina" ou "desperte sua força masculina", como se a renda gerada determinasse o quanto alguém é homem ou mulher. Esses discursos tocam diretamente o cérebro primitivo e muitas vezes fazem indivíduos estáveis se sentirem diminuídos. Uma cliente me contou que um colega de trabalho alugou um "triplex" na mente dela: ele pediu o número dela, e ao saber que ela era casada, respondeu: "Então, por qual motivo você precisa trabalhar?". Essa frase, aparentemente banal, carrega séculos de condicionamento no qual a ideia de que a mulher que trabalha "sem necessidade" está rompendo um pacto invisível de dependência.
A boa notícia é que há muitos exemplos contrários. Segundo um levantamento da Fortune, em 2012, 18 das maiores executivas do ranking anual tinham, ou já tiveram, um parceiro que assumiu o papel de "dono de casa" em algum momento da vida. E o cenário se expande: hoje, executivos e empreendedores reconhecem que apoiar a carreira da parceira é uma forma de investimento.
Casais de sucesso no século XXI não seguem papéis predefinidos, eles fazem acordos inteligentes. Avaliam quem tem mais chance de crescer, ajustam prioridades e se apoiam mutuamente em prol de um projeto comum. Garantias jurídicas, como pactos antenupciais ou acordos de convivência, podem evitar dor de cabeça se os cenários mudarem, mas o essencial está no diálogo.
A autora Farnoosh Torabi, em When She Makes More, afirma que em parcerias onde a mulher é a breadwinner (provedora), a balança emocional exige atenção. Ela observa: "Level the financial playing field and be transparent" (alivie o campo financeiro e seja transparente). Durante sua pesquisa, ela descobriu que mulheres que ganham mais tendem a acumular não apenas renda, mas também a responsabilidade e isso pode gerar estresse e ressentimento. O livro também alerta que muitos homens sentem ameaça ou deixam de se sentir "importantes" no relacionamento se o modelo tradicional de provedor for quebrado.
Claro que a equação financeira exige prática. Aqui vão cinco práticas reais para casais em que ela ganha mais, de modo que a diferença de renda não vire pivô de distanciamento:
1. Transparência profunda: conversem sobre o que cada um sente com a dinâmica de renda. O que representa para você que ela ganhe mais? Nomeiem o desconforto antes que vire ressentimento.
2. Gestão conjunta: mesmo que ela seja mais experiente em finanças, decisões importantes, como investimentos, seguros, legado, devem ser discutidas e decididas em parceria. Pertencer evita que um se sinta excluído.
3. Autonomia equilibrada: mantenham contas individuais para autonomia e uma conta conjunta para objetivos compartilhados. Essa estrutura preserva identidade e união ao mesmo tempo.
4. Revisão emocional e financeira trimestral: tal como empresas fazem "quarterly reviews", reservem um tempo juntos para analisar não só números, mas sentimentos. Como me sinto? O que mudou? Quais tensões surgiram?
5. Planejamento de longo prazo como sócios: seguro de vida, aposentadoria, patrimônio, sucessão - façam isso como sociedade, não apenas como casal. Quando ambos são sócios do projeto, a renda deixa de ser arma e vira alavanca.
E, no fim, a verdadeira liberdade está em dividir o poder sem medo de perder o amor. Finanças e comportamento caminham juntos, e entender isso é o primeiro passo para viver com mais equilíbrio e ampliar suas escolhas.
Não é sobre quem ganha mais. É sobre quem cresce junto.
*Adriana Melo é CFO da SAS Brasil e também mentora financeira, unindo finanças corporativas e inteligência comportamental para decisões mais inteligentes. Para mais informações, acesse: @adrimelo https://www.instagram.com/adrimelo/

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