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Que Jaboticaba é essa?

  • Artigo por Bruno Sá Freire Martins
  • 24/08/2021 08:08:13
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                        Confesso que nunca provei uma Jaboticaba, mas temos que reconhecer que cada vez mais estamos convivendo com essa iguaria que, segundo alguns, seria uma invenção brasileira.

                        E ao analisar a proposta de reforma administrativa que tramita no Congresso Nacional, não podemos negar que encontramos uma dessas invenções que só o direito brasileiro admite, algo que podemos chamar, no mínimo, de inusitado, uma vez que se pretende introduzir um dispositivo na Constituição com o seguinte teor:

Art. 40-A. Para fins de determinação do vínculo previdenciário dos servidores públicos, são segurados:

I - de regime próprio de previdência social os servidores com vínculo de experiência e os servidores de cargo com vínculo por prazo indeterminado ou de cargo típico de Estado de que tratam, respectivamente, os incisos I, III e IV do caput do art. 39-A.

                        Acerca do qual merece destaque a figura do servidor com vínculo de experiência, assim explicada na exposição de motivos da proposta de emenda constitucional:

Quanto à constituição de seus quadros de pessoal permanentes, a proposta apresentada mantém o concurso público como principal forma de ingresso no serviço público. Inova, porém, ao propor vinculações mais bem alinhadas às necessidades atuais e futuras da Administração. São previstos cinco tipos de vínculos jurídicos com o Estado: (i) vínculo de experiência, o qual propiciará a existência de período de experiência efetivo como etapa do concurso para ingresso em cargo por prazo indeterminado ou em cargo típico de Estado, estabelecendo um marco bem delimitado para avaliação mais abrangente e tomada de decisão quanto à admissão do servidor em cargo que compõe o quadro de pessoal de caráter permanente, a depender de classificação, dentro do quantitativo previsto no edital do concurso público, entre os mais bem avaliados ao final do período;...

Os candidatos que vierem a cumprir vínculo de experiência, e os servidores admitidos em cargo com vínculo por prazo indeterminado ou cargo típico de Estado serão segurados de regime próprio de previdência social, enquanto aqueles que vierem a ser admitidos para vínculo por prazo determinado ou exclusivamente para cargo de liderança e assessoramento serão segurados do regime geral de previdência social.

                        Pra você que leu os destaques e se assustou, afirmo que também estou assustado, mas me parece ser isso mesmo, será permitida a filiação ao Regime Próprio de quem sequer ingressou nos quadros da Administração Pública.

                        Isso porque, a exposição de motivos é clara ao afirmar que “os candidatos” e também que o vínculo de experiência é uma “etapa do concurso para ingresso em cargo”.

                        O que pode ser confirmado pela própria proposta senão vejamos alguns dispositivos nela contidos:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de quaisquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, imparcialidade, moralidade, publicidade, transparência, inovação, responsabilidade, unidade, coordenação, boa governança pública, eficiência e subsidiariedade e, também, ao seguinte:...

II-A - a investidura em cargo com vínculo por prazo indeterminado depende, na forma da lei, de aprovação em concurso público com as seguintes etapas:

a) provas ou provas e títulos;

b) cumprimento de período de, no mínimo, um ano em vínculo de experiência com desempenho satisfatório;

c) classificação final dentro do quantitativo previsto no edital do concurso público, entre os mais bem avaliados ao final do período do vínculo de experiência;

II-B - a investidura em cargo típico de Estado depende, na forma da lei, de aprovação em concurso público com as seguintes etapas:

a) provas ou provas e títulos;

b) cumprimento de período de, no mínimo, dois anos em vínculo de experiência com desempenho satisfatório; e

c) classificação final dentro do quantitativo previsto no edital do concurso público, entre os mais bem avaliados ao final do período do vínculo de experiência;...

Art. 39-A. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão, no âmbito de sua competência, regime jurídico de pessoal, que compreenderá:

I - vínculo de experiência, como etapa de concurso público;

                        Não há dúvidas, os textos normativos propostos evidenciam a intenção de permitir a filiação ao Regime Próprio de pessoas que sequer ingressaram na Administração já que ainda estão submetidos a fase de concurso público.

                        Para piorar essa filiação está sujeita à lei complementar, já que, como consta do artigo 9º da proposta de alteração da Carta Magna:

Art. 9º A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão optar por vincular, por meio de lei complementar publicada no prazo de dois anos, contado da data de entrada em vigor desta Emenda à Constituição, os servidores que vierem a ser admitidos para cargo com vínculo por prazo indeterminado, nos termos do inciso III do caput do art. 39-A, inclusive durante o vínculo de experiência, ao regime geral de previdência social, em caráter irretratável.

                        Algo totalmente inusitado, já que teremos um grupo de pessoas que ainda não ocupam cargos públicos, por ainda estarem cumprido fase de concurso público, cuja filiação previdenciária pode se dar tanto na previdência do servidor quanto no INSS, de acordo com a conveniência legislativa do Ente Federado.

                        Imaginemos a situação de um médico com vínculos de experiência em dois Municípios distintos, sendo que em um ele é filiado pelo Regime Próprio enquanto que em outro, em razão da legislação local, ele será filiado ao INSS, mesmo tendo vínculos com a mesma natureza jurídica.

                        O fato é que a proposta como está, retira do Regime Próprio a característica de que ele se destina àqueles que tem vínculos longevos com a Administração, já que permite a uma pessoa que será um “servidor pero no mucho já que ainda participando de uma fase do concurso se filie a ele seja filiado à previdência do servidor.

                        É claro que, desde que assim o Ente Federado deseje, já que a Lei Complementar poderá estabelecer essa filiação junto ao INSS, contudo essa filiação terá prazo determinado à medida que quando for aprovado no concurso terá sua vinculação junto ao INSS cessada e deverá ser filiado ao Regime Próprio.

                        E qual será o fato que levará a essa mudança? A aprovação no concurso público, portanto, no futuro o concurso público além de proporcionar a investidura em cargo público também implicará na mudança de filiação previdenciária desse cidadão.

                        Com tudo isso, fica a pergunta: Que Jaboticaba é essa?                       

 

Bruno Sá Freire Martins, servidor público efetivo do Instituto de Previdência do Estado de Mato Grosso - MTPREV; advogado; consultor jurídico da ANEPREM, APEPREV, APPEAL e da APREMAT; pós-graduado em Direito Público e em Direito Previdenciário; professor de pós-graduação; membro do Conselho Editorial da Revista de Direito Prática Previdenciária da Paixão Editores e do Conselho de Pareceristas ad hoc do Juris Plenun Ouro ISSN n.º 1983-2097 da Editora Plenum; escreve todas as terças-feiras para a Coluna Previdência do Servidor no Jornal Jurid Digital (ISSN 1980-4288) endereço www.jornaljurid.com.br/colunas/previdencia-do-servidor, e para o site fococidade.com.br, autor dos livros DIREITO CONSTITUCIONAL PREVIDENCIÁRIO DO SERVIDOR PÚBLICO, A PENSÃO POR MORTE, REGIME PRÓPRIO – IMPACTOS DA MP n.º 664/14 ASPECTOS TEÓRICOS E PRÁTICOS e MANUAL PRÁTICO DAS APOSENTADORIAS DO SERVIDOR PÚBLICO, todos da editora LTr e de diversos artigos nas áreas de Direito Previdenciário e Direito Administrativo.



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