Com as tragédias de Brumadinho e agora do Ninho do Urubu, nos trazem a triste lembrança de Mariana e Santa Maria.
Tragédias anunciadas e a total incapacidade do Estado de gerir e aplicar o produto da arrecadação das taxas e mais taxas exigidas dos contribuintes.
Na década de sessenta, quando foi instituído o Código Tributário Nacional, foi editada uma regra ainda em vigor, que dispõe que a natureza jurídica do tributo independente da destinação do produto arrecadado.
Tal desprezo conceitual deve ficar apenas restrita à definição de tributo, porém, o Direito Tributário não trata apenas da relação Estado e contribuinte, mas principalmente conforme já decidido pelo Supremo Tribunal Federal, da relação Estado, contribuinte e, inevitavelmente, retorno social ao cidadão.
Já mencionei em artigos anteriores que de acordo com a Constituição Federal, o valor das taxas deve remunerar apenas o custo do serviço estatal ou a fiscalização, ou seja, sem qualquer exceção, o produto da arrecadação não pode ser destinado para outras finalidades.
Porém, na maioria das vezes as taxas são fixadas em valores totalmente desproporcionais e confiscatórias e ainda assim, nos surpreendemos com a constatação de que o trabalho da fiscalização deixou de apontar uma falha que, de acordo com laudos técnicos, foi a causa das tragédias anunciadas.
E quando se trata das licenças ambientais nos deparamos com valores flagrantemente altos, o que poderia justificar no mínimo um trabalho razoável, a fim de evitar que falhas estruturais não viessem a ser determinantes para causar tais acidentes fatais.
Mas não! Salvo raras exceções, o contribuinte é obrigado a pagar taxas e mais taxas de fiscalização ao Município, Estado e para a União, inclusive decorrente do mesmo fato gerador.
No caso de Brumadinho, a empresa recolhe taxa de fiscalização para o Município, para o Estado e para a União, conforme arrecadado pelo IBAMA.
Contudo, restou lamentavelmente evidenciado que nenhum dos entes beneficiários do produto da arrecadação das aludidas taxas, tenha apontado qualquer falha que viesse a resultar na anunciada tragédia.
Desse modo, entendo que os órgãos de controle e também de fiscalização, à exemplo dos Tribunais de Contas e Ministério Público, devem “fiscalizar” os demais órgãos de fiscalização, para que seja aferido, não apenas se o valor exigido à título de taxa corresponde exatamente ao custo de tal atividade e, principalmente, se a mesma está sendo realizada de forma eficaz.
Isso mesmo, de forma absurda é preciso a criação de órgãos e órgãos de fiscalização para fiscalizar demais órgãos e órgãos de fiscalização.
Portanto, no campo das reflexões, veste-se como uma luva o pensamento do filósofo alemão Friedrich Nietzsche, ao sentenciar que “se tu olhares, durante muito tempo, para o abismo, o abismo olha para dentro de ti”.
Passou da hora de olharmos para os nossos abismos.
Victor Humberto Maizman é Advogado e Consultor Jurídico Tributário, Professor em Direito Tributário, ex-Membro do Conselho de Contribuintes do Estado de Mato Grosso e do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais da Receita Federal/CARF.
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