Gonçalo Antunes de Barros Neto
O “eu” pode ser o nada (Pascal), dada a dificuldade em estabelecer o que seria a essência de uma pessoa, seus atributos imutáveis. Considerando esse vazio, é possível que o indivíduo, conhecedor de seus desejos mais significativos, positivos ou negativos, o preencha de características virtuosas, todas que desejaria que tivessem presentes na sua individualidade, ainda que não as possua.
Essa invenção do “eu” ocorre para si e para os outros, acompanhada de uma crença de verdade, autenticidade. A pessoa acredita nesse “eu” de dupla face, um interno e outro externo, que inventou. Seria uma invenção de um ser para si, uma máscara.
A par disso, a maldade é aparentemente silenciada por esse eu mascarado, uma cortina de fumaça; mas está ali, presente, pronta para agir quando do surgimento de uma oportunidade.
O ser humano, capaz de gestos de extrema bondade, também demonstra crueldades que desafiam a compreensão. O que explica essa dualidade? Seria a maldade algo inerente à natureza humana ou um comportamento adquirido ao longo da vida?
Para ilustrar a complexidade da maldade humana, pode-se citar o caso ocorrido, recentemente, em que a adolescente Emilly Azevedo Sena, de 16 anos e grávida de nove meses, foi atraída por Nataly Helen Martins Pereira, de 25 anos, sob o pretexto de receber doações de roupas para o bebê. Emilly saiu de sua casa em Várzea Grande para encontrar Nataly em Cuiabá, mas nunca mais retornou.
Esse caso chocante exemplifica como a maldade humana pode se manifestar de forma extrema, sendo resultado de fatores complexos que envolvem tanto aspectos individuais quanto influências sociais e culturais.
Diversas correntes filosóficas e psicológicas argumentam que a maldade é uma característica intrínseca à condição humana. Thomas Hobbes, no século XVII, defendia a ideia de que o homem é naturalmente egoísta e que, sem um poder soberano que impusesse ordem, a sociedade viveria em um estado de guerra constante (“homo homini lupus est”, ou seja, “o homem é o lobo do homem”).
No campo da biologia, estudos sugerem que alguns comportamentos agressivos são herdados geneticamente. Experimentos em neurociência mostram que o funcionamento de certas áreas cerebrais, como a amígdala, está relacionado às reações de medo e agressão. Pessoas com danos nessa região podem demonstrar um comportamento menos empático e mais propenso à violência.
Em contrapartida, muitas teorias defendem que a maldade não é inata, mas sim um reflexo das circunstâncias vividas pelo indivíduo. Jean-Jacques Rousseau sustentava que o homem nasce bom e que é a sociedade que o corrompe. A desigualdade, a opressão e as condições sociais adversas poderiam ser os verdadeiros motores dos atos maldosos.
A psicologia comportamental reforça essa perspectiva. Experimentos como o de Stanley Milgram sobre obediência e o da Prisão de Stanford, de Philip Zimbardo, mostraram que indivíduos comuns são capazes de cometer atos cruéis quando inseridos em ambientes que favorecem a desumanização e a perda da responsabilidade pessoal. Isso sugere que a maldade pode ser aprendida e incentivada por estruturas sociais e culturais.
Em Ética a Nicômaco, Aristóteles ensina que a origem da ação (sua causa eficiente, não final) é a escolha, e a origem da escolha é o desejo e o raciocínio dirigido a algum fim. Matar uma mulher grávida para ficar com a criança é perversidade própria de uma pessoa assim construída, pois a escolha não pode existir sem a razão e o intelecto.
É por aí...
Gonçalo Antunes de Barros Neto tem formação em Filosofia, Sociologia e Direito.
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