Rafaela Maximiano
O sistema tributário brasileiro enfrenta desafios significativos, onde a carga fiscal recai desproporcionalmente sobre as famílias de baixa renda, comprometendo a distribuição de recursos de forma desigual. Em uma entrevista esclarecedora, o advogado tributarista, Victor Humberto Maizman, avalia os impactos distributivos da Reforma Tributária no Brasil, à luz do recente estudo do Banco Mundial. A pesquisa, divulgada em outubro deste ano, apresenta cenários relativos à isenção da cesta básica e sugere alternativas para corrigir distorções no sistema tributário.
Ao FocoCidade Victor Maizman destaca a distorção gerada pela incidência de tributos indiretos, que afeta principalmente os 10% mais pobres do país. Eles pagam apenas 2,4% do total arrecadado, mas comprometem quase 60% de sua renda com tributos, enquanto os 10% mais ricos contribuem com apenas 13% de sua renda. “Essa desigualdade resulta da tributação sobre a produção, que encarece os produtos ao longo da cadeia, transferindo o ônus para o consumidor, independentemente de sua capacidade econômica”, afirma.
Para abordar essa desigualdade, o estudo do Banco Mundial sugere critérios analíticos para a inclusão e exclusão de alimentos na Cesta Básica Nacional, com o objetivo de evitar desequilíbrios na distribuição de recursos. A proposta é desonerar a produção de itens essenciais em todas as fases, garantindo preços mais acessíveis para o consumidor final, especialmente para aqueles com renda mais baixa.
A Reforma Tributária proposta no Brasil, especificamente a PEC 45, prevê a redução das alíquotas para serviços de educação, saúde e alimentos, bem como a criação de uma cesta básica nacional. “Essas medidas buscam minimizar o repasse dos tributos para o consumidor final, o que resultaria em uma diminuição da arrecadação, mas beneficiaria os consumidores de baixa renda, tornando os produtos essenciais mais acessíveis”, explica o advogado.
Outras simulações no estudo do Banco Mundial avaliaram a implementação de um novo Imposto sobre Valor Agregado (IVA) e o uso de cashback (programa de recompensas) para reduzir o impacto fiscal sobre as classes de renda mais baixa. “Essas alternativas buscam restabelecer a justiça fiscal, embora não estejam isentas de desafios na sua eficácia”, pontua Maizman.
Victor Maizman enfatiza ainda que, para otimizar o novo desenho do sistema tributário em favor dos mais vulneráveis, a desoneração da produção de produtos essenciais é fundamental. Essa medida, juntamente com um foco na tributação da propriedade e da renda, pode aliviar a carga tributária sobre as famílias de baixa renda e, ao mesmo tempo, manter a arrecadação do governo.
Confira a entrevista na íntegra:
Como avalia a atual situação do sistema tributário no Brasil, considerando que os 10% mais pobres pagam apenas 2,4% do total arrecadado, mas comprometem quase 60% de sua renda com tributos (PIS/COFINS, ICMS, ISS e IPI)? E, isso levando em consideração que os mesmos tributos correspondem a apenas 13% da renda dos 10% mais ricos?
Essa é a distorção ocorrida em razão da incidência tributária indireta, quer dizer, a incidência tributária sobre a produção. Assim, com a existência da incidência fiscal sobre a produção os tributos acabam sendo inseridos no custo do produto industrializado, de forma que o custo tributário total incidente sobre a produção é repassado para o preço final do produto.
Portanto, quem acaba pagando toda a carga tributária é o consumidor, independente da sua capacidade econômica. A meu ver, a Reforma Tributária deveria contemplar a incidência tributária apenas sobre a renda e o patrimônio, justamente para contemplar o que se chama de justiça fiscal.
Um estudo do Banco Mundial divulgado no final de outubro deste ano sugere critérios analíticos para a inclusão e exclusão de alimentos na Cesta Básica Nacional, visando evitar desequilíbrios na distribuição de recursos. Como esses critérios funcionam e qual é o objetivo por trás deles?
O estudo do Banco Mundial apontou a distorção ocorrida com a incidência dos tributos indiretos que recai sobre os produtos da cesta básica. No referido estudo a sugestão é para que produtos da cesta básica sejam desonerados em todas fases de sua produção e comercialização, tudo para que o produto final seja consumido pelo consumidor final com um preço que seja razoável.
Importante ressaltar que o nosso sistema atual tributário contempla a regra da seletividade, quer dizer, quando mais essencial o produto menor deve ser a alíquota a ser exigida. Porém, infelizmente o Estado brasileiro não vem cumprindo as regras constitucionais tributárias. Cito como exemplo que apenas recentemente os Estados reconheceram a energia elétrica como produto essencial, isso porque precisou o Supremo Tribunal Federal assim declarar o óbvio.
A meu ver, a Reforma Tributária deveria contemplar a incidência tributária apenas sobre a renda e o patrimônio, justamente para contemplar o que se chama de justiça fiscal.
A pesquisa também sugere que qualquer isenção ou redução de alíquota de impostos significa uma transferência de recursos da sociedade em geral para produtores ou consumidores do setor beneficiado. Realmente é verdade?
Discordo deste ponto, o ônus fiscal é repassado para o preço final a ser pago pelo consumidor. Diferente seria se houvesse uma desoneração sobre o patrimônio ou sobre a renda do produtor. Portanto, o consumidor é que deve ser contemplado com o menor custo na produção.
A PEC 45 prevê redução da alíquota padrão para serviços de educação, saúde e alimentos, bem como a criação de uma cesta básica nacional. Como essas medidas podem influenciar a arrecadação e a distribuição de renda?
A sistemática adotada na aludida Proposta de Emenda Constitucional busca minimizar o repasse dos tributos para o consumidor final. Por certo haverá uma diminuição da arrecadação, porém haverá benefício para o consumidor final de baixa renda, uma vez que o preço final dos produtos essenciais tende a baixar de preço.
O estudo também simulou diferentes cenários para a implementação do novo Imposto sobre Valor Agregado (IVA). Quais são os principais resultados dessas simulações em termos de distribuição de renda?
O estudo pautou exatamente na premissa por mim defendida no sentido de que seja minimizada a carga fiscal sobre os produtos essenciais. O novo imposto reduz tal incidência, porém, não por completo.
Reitero que o sistema ideal seria desonerar totalmente a produção. Todavia, se assim fosse beneficiaria o consumidor, porém retiraria do Poder Público a arrecadação sobre a produção.
O sistema de cashback resulta na sistemática de devolver para o consumidor final o valor do tributo incidente sobre o produto final.
O estudo do Banco Mundial sugere critérios analíticos para a inclusão e exclusão de alimentos na Cesta Básica Nacional, visando evitar desequilíbrios na distribuição de recursos. Como esses critérios funcionam e qual é o objetivo?
Conforme você mencionou, a sugestão é desonerar a cadeia produtiva para que seja reduzido o preço final do produto essencial a ser pago pelo consumidor final, principalmente aqueles de baixa renda. Contudo, sem comprometer a arrecadação. E, reitero que a reforma ideal seria de fato desonerar integralmente a produção.
Na terceira simulação do estudo, que envolve uma cesta básica reduzida e cashback, quais seriam os impactos na carga tributária das classes de renda mais baixa e mais alta?
O sistema de cashback resulta na sistemática de devolver para o consumidor final o valor do tributo incidente sobre o produto final. Tal critério é uma alternativa para restabelecer a justiça fiscal, uma vez que minimiza o impacto fiscal assumido pelos consumidores de baixa renda. Porém, ainda não se tem uma garantia que tal sistemática seja de fato eficaz.
A última alternativa simulada no estudo envolve a aplicação de uma alíquota padrão para todos os bens e serviços, com reembolso total do IVA para famílias de baixa renda inscritas no Cadastro Único. Como essa alternativa afeta a distribuição de renda e a arrecadação?
Nesse caso há já uma regra para que apenas as famílias de baixa renda venham a ser beneficiadas com a devolução dos valores pagos pelos tributos indiretos. De fato a proposta tende a contemplar os consumidores de baixa renda, havendo por certo o comprometimento da arrecadação.
Considerando as restrições fiscais e a busca por um sistema tributário mais justo, como você avalia a possibilidade de otimizar o novo desenho do sistema tributário em favor dos mais vulneráveis?
O custo tributário no Brasil é um dos maiores do mundo. Desse modo, considerando que temos uma sociedade formada por sua grande maioria por famílias de baixa renda defendo que a cadeia produtiva de produtos essenciais deveria ser totalmente desonerada, devendo contudo, haver uma compensação na arrecadação através dos tributos sobre a propriedade e sobre a renda.
Quais desafios e oportunidades você enxerga para a Reforma Tributária no Brasil, com base nos resultados apresentados no estudo do Banco Mundial e nas considerações sobre a distribuição de renda?
Entendo que o estudo foi muito importante para avaliar que o atual sistema tributário onera sobremaneira os consumidores de baixa renda, oportunidade em que foram sugeridos alguns critérios para minimizar o preço dos chamados produtos e serviços essenciais.
Reitero que deveria ser ampliada a possibilidade da desoneração sobre os produtos essenciais como uma forma mais eficaz para reduzir o preço do produto final, até porque o preço dos produtos essenciais influencia diretamente nos índices inflacionários e em toda a economia nacional. Aliás, com a redução da inflação haverá a disponibilização de mais crédito com redução das taxas de juros. Assim, quem ganha é justamente a família de baixa renda.
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