Lourembergue Alves
O tempo mudou. Mudou bastante. Um vento gélido se arrasta pelo país. Transformou a temperatura. Cidades do Sul e do Sudeste, que jamais tiveram neve, enevoaram. Vídeos e mais vídeos foram divulgados pelos grupos de Whatsapp, com cristais de gelo a caírem, cobrindo arvores, calçadas, ruas e casas. Espetáculos belíssimos. Presenciados, mas não sentidos por todos. Ainda que a friagem tenha se expandido por um sem número de lugares, com direito a cerração. Céu escuro em pleno dia. Ao descortinar-se, contudo, o véu de nuvens de neblina, depara-se com outro espetáculo.
Nenhum pouco igual. Bastante distinto, com pessoas desagasalhadas, jogados em locais inóspitos, que não acolhem, nem protegem, tampouco deveriam fazê-lo, ainda que se valha de jornais como cobertores, e onde o frio parece estar bem mais frio, e a fome muito mais forte, a subtrair a já raquítica resistência, que mal pode esperar pelas migalhas que lhes servem de doação. Agasalhos, cobertores e comidas. Afinal, os necessitados nada têm, e desejam tão poucos, pouquíssimos diante de suas desesperadas necessidades. Ações elogiáveis. Humanitárias, na verdade. Essas doações, importantes e necessárias, não são suficientes. São apenas paliativos. Elas bem que poderiam ser substituídas por políticas públicas condizentes, permanentes.
São as políticas públicas, e somente através delas que se pode, de fato, “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais” (art. 3º., III da Constituição Federal). Houve um momento em que se avançou nessa direção. Diminuiu, conforme dados oficiais, o número de brasileiros abaixo da linha da pobreza, bem como no da pobreza. Trabalho, no entanto, que foi interrompido aos poucos, até que parou de vez. Em paralelo com a crise econômica. Crise que levou de volta muitos para onde, antes, havia estados.
Situação complicada. Conhecida. Agentes políticos e públicos fizeram, e fazem carreatas da solidariedade, distribuindo cestas básicas e agasalhos, tendo as participações das chamadas primeiras-damas. Sempre com a bajulação da mídia. Nada disso, porém, é de graça. Quando das eleições, chega à fatura. Fatura supervalorizada. Tem um preço bastante alto. Eleitores pagam com seus votos nas urnas dos corações bondosos, e os elegem, ou reelegem ou para as cadeiras nos Parlamentos ou para as chefias do Executivo. Círculo vicioso. Venda e compra de votos.
As ações de doação são pessoais, transferíveis por vezes (da primeira-dama para seus esposos) ao passo que as políticas públicas não são (exceto uma ou outra). É por conta da impessoalidade delas, e do seu papel em quebrar o chamado círculo vicioso, que, hoje, não se tem políticas públicas que venham “erradicara pobreza”, “reduzir as desigualdades” e “promover o bem de todos”.
O Estado, então, se mostra impotente. A democracia enfraquece, e até desaparece, pois não se fortalece entre desiguais, em meio a muros, erguidos para separarem os guetos, os grupos, ainda que às voltas com milícias e organizações criminosas, com as forças de segurança perdidas em meio às próprias incongruências. Distancia-se em demasia, desse modo, “construção de uma sociedade livre, justa e solidária”, como apregoa o item I, artigo 3º. do estatuto do Estado brasileiro.
Estatuto não lido, nem conhecido por quem deveriam segui-lo a risca. Dai as discrepâncias. Tanto no campo jurídico, quanto no do político. Bem mais neste último, pois ainda se tem cenários de currais eleitorais. Gravitam dentro ou em torno deles os eleitores-torcedores, os quais são, já algum tempo, maior contingente do eleitorado. É isto.
Lourembergue Alves é professor universitário e analista político.
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