Eduardo Mahon
Há um inconfessável gozo na expressão – eu bem que avisei. Um prazer erótico, mórbido, sádico em ver concretizado o alerta que se deu a quem deu de ombros. Uma espécie de síndrome de Cassandra nos consome a todos contra aqueles que fazem ouvidos moucos de nosso augúrio mais bem-intencionado. Cassandra, coitada, recusou-se a dormir com Apolo e, por isso, não só foi amaldiçoada com o dom da previsão, como com a desgraça do descrédito.
Tróia será invadida!, ela bradava louca pelas ruas. Adiantou? É claro que não. Desde então, impotentes diante do desprezo alheio, cultivamos essa alegria doentia em dizer com a boca cheia – eu bem que avisei. O velho avisa ao novo: cuidado com o dinheiro, o professor avisa ao aluno: cuidado com o estudo, o amigo avisa ao amigo: cuidado com a mulher, o governado avisa ao governante: cuidado com a vaidade. E, depois, quando tudo está consumado, o investidor falido, o aluno reprovado, o amigo traído, o governante solitário, a catástrofe enfim, mastiga-se entre os dentes o vaticínio ignorado tal qual um chiclete imaginário.
Esse prazer perverso de ver o prognóstico realizado quase sempre é cuspido na cara do avisado que, como se espera, abaixa a cabeça até que passe a dor do erro, agravada agora pelo triunfo do vidente próximo, espécie de pitonisa da desgraça que fica batendo na mesma tecla – eu bem que avisei. Ora, que muita coisa pode dar errado, isso é certo. O passeio pode acabar em assalto, o combustível pode acabar no meio do caminho, a eleição pode ser perdida, pode chover na praia, uma pletora de reveses tão típicas de roleta viciada em cassinos ilegais.
Por isso, há que se distinguir quem é quem nesse mundo de oráculos. Há os pessimistas para os quais nada vai dar certo de qualquer maneira. São esses que tem o maior prazer em apontar erros, defeitos, problemas, enquanto observam a vida passar, invejando o protagonismo dos outros. O rabugento, porém, nunca consultou as runas, os búzios ou qualquer tarô da vida. Longe disso. É próprio dos céticos desconfiar de tudo. Mulher bonita? Piranha. Homem rico? Ladrão. Governante honesto? Mito. Os incrédulos são, por natureza, os espectadores da vida e não lhes custa nada dispararem a esmo – eu bem que avisei.
Avisaram, de fato, é inegável. Mas porque avisam tudo, acabam não avisando nada. Essas bocas-malditas nunca pertencerão à classe dos realizadores, dos homens que tentam e erram, que arriscam e fracassam, que insistem e, por fim, vencem. O derrotista perde antes do jogo começar, pensa que tem a sabedoria das pedras para as quais tanto faz se chove ou se faz calor. No fim, a opinião deles não conta, por ser igual em tempos de bonança ou de tempestade.
Há, porém, os verdadeiros videntes. Enxergam no escuro, antecipam o improvável, cheiram as tragédias, tateiam no infinito cosmo das probabilidades Estes sim, adivinhos do futuro alheio, pertencem geralmente ao nosso círculo íntimo e merecem o máximo da nossa consideração. Reparem bem: quem nos avisa, quem nos previne, quem se indispõe para evitar o erro, nunca é um inimigo ou desconhecido. Ao contrário! Quem sempre acerta é o amigo próximo, seja pai, seja mãe, seja esposa ou simplesmente um bom companheiro de bar.
Quem nos ama sofre as nossas dores, paga pelos nossos erros, lamenta-se por nossos equívocos. Nesses casos, não há nada pior do que estar certo num prognóstico ruim. Mas não se enganem. Mesmo estes que sentem a dor genuína da previsão concretizada, agasalham o júbilo de estarem certos o tempo todo. Mesmo estes que têm alma boa, limpa e solidária, regozijam-se calados por terem acertado o que iria acontecer. Mesmo os mais próximos, aqueles que são unha e carne, costela e osso, cu e calça, até mesmo estes, antes de darem a mão ao amigo atolado na merda, sussurram entre os dentes: eu bem que avisei!
Eduardo Mahon é escritor.
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