• Cuiabá, 21 de Setembro - 00:00:00

Justiça nega recurso à defesa do conselheiro afastado Sérgio Ricardo


Da Redação - Foco Cidade

Conselheiro afastado do Tribunal de Contas do Estado (TCE), Sérgio Ricardo, teve negado recurso em que tentava retornar ao cargo. O Tribunal de Justiça, através do desembargador Luiz Carlos da Costa, negou provimento ao pedido da defesa, nesta quarta-feira (25).

Foi do juiz Luis Aparecido Bertolucci Júnior a decisão em caráter liminar que levou ao afastamento do conselheiro da função, tendo como base o episódio que investiga compra de cadeira no TCE.

Nessa ação consta na lista de réus nomes como o do ex-governador Silval Barbosa, o ex-secretário de Estado, Éder Moraes; o ministro da Agricultura, Blairo Maggi; o ex-deputado José Riva, além do ex-conselheiro Humberto Bosaipo. Os envolvidos na ação, por determinação da Justiça, estão com as contas e bens bloqueados em R$ 4 milhões.      

 

Decisão

Agravo de instrumento, com pedido de efeito suspensivo, interposto por Sérgio Ricardo de Almeida contra a decisão que, em ação civil por ato de improbidade administrativa com pedido de ressarcimento de danos ao erário c/c pedido liminar de afastamento do cargo e indisponibilidade de bens proposta pelo Ministério Público do Estado de Mato Grosso contra si, Alencar Soares Filho, Blairo Borges Maggi, Éder Moraes Dias, Gércio Marcelino Mendonça Júnior, Humberto Melo Bosaipo, Jose Geraldo Riva, Leandro Valoes Soares e Silval da Cunha Barbosa, determinou o seu afastamento do cargo de Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso.

A decisão, assegura, funda-se na conjectura de que o surgimento da vaga de Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso, por ele ocupada, teria decorrido de transação, com utilização de dinheiro do erário, a importar em juízo antecipado sobre o próprio mérito da causa, em verdadeira eloquência acusatória.

No entanto, afiança, para o afastamento cautelar do cargo, exige-se a demonstração de risco concreto à instrução processual, consoante a regra do artigo 20, parágrafo único, da Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992; que, aqui, não se faz presente; de forma que, ante a impossibilidade de evidenciá-lo, lançou mão o julgador de presunções e futurologia; ao recorrer à tutela de evidencia, não invocada na inicial, e sem se ater ao óbice do artigo 311, parágrafo único, II e III, do Código de Processo Civil.

Sustenta a inconsistência da invocação do artigo 311, IV, do Código de Processo Civil, porquanto, a manifestação por escrito, após notificação, não pode ser confundida com contestação, que sucede à citação, oportunidade em que “se delimitará a inconsistência ou não da defesa, uma vez que é a partir dela que o juiz fixará o objeto da prova a ser colhida na instrução, e é de onde surgirá ou não dúvida razoável sobre a existência dos fatos constitutivos do direito do autor”; aliás, levantou inúmeras indagações que “evidenciam a necessidade de que eventual afastamento do agravante do cargo que ocupa – seja de forma precária ou definitiva – deve ser precedido de prévio exercício do contraditório e da ampla defesa em sede de instrução processual, não sendo, portanto, o caso de concessão de tutela de evidência, como tenta fazer crer o magistrado de piso a qualquer custo.”.

Além disso, afirma, desconsiderou-se a relevante circunstância de o Tribunal já ter indeferido, por unanimidade, igual pretensão (agravo de instrumento nº 7054/2015), “cujos fatos são idênticos aos presentes, pois o MPE (agravado) ingressou com duas ações ao mesmo tempo, em data de 19/12/2014, sendo que numa dessas o afastamento já fora negado com decisão transitada em julgado”.

Obtempera: “acaso fosse necessário o afastamento do cargo, em respeito à isonomia processual, o Juízo de piso teria de determinar o afastamento cautelar de todos os réus ocupantes de cargos públicos.”.

Enfatiza a falta de contemporaneidade entre os fatos contra si alegados e o afastamento do cargo de Conselheiro do Tribunal de Contas: “os fatos lá ventilados remontam aos idos do ano de 2008, sendo que, a partir de 2012, o agravante vem exercendo regularmente – e de forma exemplar, diga-se de passagem – o honroso cargo de Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso, tendo julgado, na condição de relator, no exercício da função pública, exatos 4.596 processos de forma absolutamente proba”.

Aduz que não se considerou “o dano material e institucional ao Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso, nem o prejuízo público e social suportado pelo por cidadãos, destinatários dos serviços prestados pela instituição, especialmente os contribuintes que financiam a estrutura constitucional do Estado, menos ainda o constrangimento moral e desprestígio à imagem de um agente político cuja presunção de inocência e idoneidade militam em seu favor por imperativos constitucionais (CF, Art.5º, LVII e 71, II).”.

Requer a atribuição de efeito suspensivo ao recurso, “a fim de suspender os efeitos da decisão interlocutória que determinou o afastamento provisório do agravante do cargo de Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso, até julgamento final”.

É o relatório.

É do seguinte teor o dispositivo da decisão:

[...] Diante das razões apontadas, afastadas as preliminares, decido:

1.     Recebo a petição inicial em relação aos réus Alencar Soares Filho, Blairo Borges Maggi, Eder de Moraes Dias, Gercio Marcelino Mendonça Júnior, Humberto Melo Bosaipo, José Geraldo Riva, Leandro Valoes Soares, Sérgio Ricardo de Almeida e Silval da Cunha Barbosa, para que surta seus efeitos legais;

2.     Defiro, em sede de liminar, o pedido de concessão da medida liminar de indisponibilidade de bens de todos os réus, até o limite do valor de R$ 4.000.000,00 (quatro milhões de reais), solidariamente, para fins de acautelamento visando a aplicação das penas contidas no artigo 12, da Lei nº 8429/1982 (ressarcimento integral do dano, multa civil etc.) e, para tanto, determino:

2.1)- Proceda-se o bloqueio, por meio do Sistema BacenJud, dos valores encontrados na contas bancárias e aplicações financeiras, até o montante de R$ 4.000.000,00 (quatro milhões de reais), solidariamente, ressalvado o valor equivalente ao total da remuneração do Governador do Estado de Mato Grosso e eventuais verbas destinadas para pagamento de pensão alimentícia dos réus agentes públicos;

2.2) Quanto aos réus Eder de Moraes Dias, Gercio Marcelino Mendonça Júnior, Humberto Melo Bosaipo, José Geraldo Riva, Leandro Valoes Soares e Silval da Cunha Barbosa, os quais não são agentes públicos, a isenção (quanto à indisponibilidade) corresponderá ao valor da remuneração do Governador do Estado de Mato Grosso, acrescido, como aos demais réus, de eventual verba destinada ao pagamento de pensão alimentícia;

2.3) Desde já, em vista ao Provimento n. 81/2014-CGJ que implantou a Central Eletrônica de Integração e Informações dos Atos Notariais e Registrais do Estado de Mato Grosso – CEI, determino o averbamento em todas as matrículas de imóveis e direitos patrimoniais outorgados por instrumento público aos réus da cláusula de indisponibilidade, via CEI/Anoreg/MT, até o limite dos valores respectivamente indisponibilizados;

2.4) Proceda a pesquisa e eventual inserção da restrição de indisponibilidade, por meio do Sistema RenaJud, nos registros dos veículos cadastrados em nome dos réus; respeitando-se os patamares consignados nesta decisão;

3.     Decreto o afastamento do réu Sérgio Ricardo de Almeida do cargo de Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso, nos termos do art. 20, Par. Único da Lei nº 8.429/92 c.c. o art. 311, IV, do CPC, sem prejuízo de sua remuneração, por constituir verba de natureza alimentar, até o trânsito em julgado da sentença na presente ação;

4.     No que diz respeito ao caráter de urgência dos atos processuais decorrentes desta decisão, alusivas à concessão das liminares de indisponibilidade de bens de todos os réus e de afastamento de Sérgio Ricardo de Almeida do cargo de Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso, proceda-se a intimação dos mesmos, nos moldes do Art. 2º c.c. o Parágrafo Único, do Art. 4º, ambos do Provimento nº 018/2016-CM, de 04/10/2016.

5.     Citem-se réus, nos moldes do disposto no Art. 220 e Parágrafos, do CPC c.c. Arts. 2ª e 4º, ambos do Provimento 018/2016-CM, de 04/10/2016;

6.     Decorrido o prazo para apresentação das respectivas defesas, dê-se vista ao Ministério Público e, em seguida, ao Estado de Mato Grosso;

7.     Concretizadas as determinações supra, retornem-me os autos conclusos.

Intimem-se. Cumpra-se. [...]. (481/483).

Pontuo, de início, que o recurso limita-se a impugnar o capítulo da decisão que afastou o agravante do cargo de Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso.

Pois bem.

A probidade administrativa constitui-se em pressuposto necessário à preservação do Estado Democrático de Direito, essencial ao exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça, bem como, para que os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil possam ser alcançados.

Numa interpretação histórica das Constituições brasileiras, não há dúvida em se afirmar que a Constituição de 1988 é diferente das anteriores, especialmente por ser muito mais incisiva relativamente ao tratamento a ser dispensado à Coisa Pública, ao Patrimônio Público e à probidade na Administração, enfim, à moralidade administrativa, em sentido amplo, direito público subjetivo, de natureza coletiva, pertencente ao povo.

Não se deve, portanto, ter dúvida quanto à força vinculativa da ideologia constitucional da probidade na Administração Pública, uma das metas da República Federativa do Brasil, e que nada mais é senão a vontade popular convertida em norma principiológica da mais elevada hierarquia, e que se opõe vigorosamente à chamada cultura de improbidade administrativa, historicamente presente nos círculos do poder dominante no Brasil.

A ideologia constitucional de probidade na Administração Pública deve ser compromisso finalístico e pragmático do Estado, em todas as suas dimensões, e da sociedade contra a cultura de improbidade, em respeito à força normativa da Constituição, à sua “força ativa”, no dizer de Konrad HESSE, que sinteticamente recomenda para a sua manutenção e efetivação, o desenvolvimento de uma ótima prática constitucional.

Sem compromisso com a vontade da Constituição, presta o jurista com sua retórica um desserviço à comunidade, mantendo incólume e segura – porque não revelada – a ideologia dominante em parcela significativa dos círculos de poder, representada pela histórica, constante, volumosa e lesiva corrupção administrativa, contribuindo, assim, inconscientemente, por meio da dogmática jurídica descompromissada, para a socialização, homogeneização e perpetuação da setorial cultura de improbidade, cujos ilegítimos valores contrastam com a linguagem e a ideologia universalmente acolhidas e tornadas norma pela Constituição de 1988.

Dentre essas promessas de modernidade da Constituição de 1988, encontra-se o programa de implementação da cultura de probidade na Administração Pública, numa superação da velha cultura da corrupção administrativa, historicamente presente na realidade brasileira. Não há dúvida de que a linguagem e a ideologia da Constituição merecem e devem ser consideradas pelo intérprete das normas constitucionais que tratam da probidade no Estado brasileiro e das leis infraconstitucionais que regulam a matéria, em especial a Lei 8.429/92, denominada Lei de Improbidade Administrativa (LIA), de forma a se compreender esse conjunto normativo em seus reais contextos lingüístico, sistêmico e funcional, do que certamente emergirá a preservação da força normativa da Constituição.

A interpretação da Constituição deve consolidar e preservar a força de suas normas, cuja máxima concretização deve ser almejada pelo intérprete e pelos operadores do sistema normativo. O conjunto formado pelos princípios e regras constitucionais e pelas leis que tratam da probidade na Administração Pública, merecem alcançar a máxima efetividade na implementação do direito subjetivo coletivo à probidade na esfera pública.

Independentemente dos posicionamentos doutrinários quanto à existência da quarta dimensão dos direitos fundamentais, certo é que o direito público subjetivo à probidade na Administração Pública deve ser considerado um direito fundamental, haja vista o seu caráter coletivo e universal, e a sua titularidade indefinida e indeterminável, ‘nota distintiva destes direitos’. [...]. (FARIAS, Cristiano Chaves, et al (Org.). Estudos sobre Improbidade Administrativa. 1. ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2012, pp. 34/41 e 45). [Sem negrito no original]

Se a Constituição deliberou pela repressão aos atos de improbidade administrativa, não se pode menosprezar o conteúdo valorativo da regra como imperativo estruturante da República. Contraria o princípio republicano pretender descobrir insuficiências ou lacunas ou contradições na regra, as quais levem à redução de responsabilidade de agentes públicos. Toda construção deve partir para afirmar esta consequência, e não elidi-la ou reduzi-la. O seu significado deve encontrar ponto firme na exigência constitucional, de natureza isonômica, de que todos os agentes públicos estão sujeitos ao controle de suas condutas comissivas e omissivas, nas formas admitidas pelo Texto Constitucional. [...]. (OLIVEIRA, José Roberto Pimenta. Improbidade administrativa e sua autonomia constitucional. 1. ed. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2009, pp. 160/162). [Sem negrito no original]

Consigna a decisão agravada:

Especificamente em relação ao réu Sérgio Ricardo de Almeida, observo que, segundo o quadro narrado e em principio documentado nos autos, com o dinheiro que lhe teria sido devolvido por Alencar Soares Filho à ordem de Blairo Maggi, comprou os direitos de outorga de permissão da Rede Mundial de Rádio e Televisão Ltda., objeto do contrato de fls. 37/44- CD 05-Vol. II do IPL, em 23.12.2009. O valor total da transação de R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais), segundo o representante da empresa vendedora, foi por ele pago em parcelas de R$ 2.500.000,00 (dois milhões e quinhentos mil reais) até a assinatura do contrato, R$ 469.000,00 (quatrocentos e sessenta e nove mil reais) em cheque (depositado por Gercio M. Mendonça Junior) e o restante em três cheques prédatados, cujas cópias estão no CD 05-Vol.II-fls. 60/62 e 299/300), correspondentes às fls. 291/293 e 299/300 do IPL.

O dinheiro proviera, em parte, da mesma famigerada conta corrente operada por Gercio M. Mendonça Filho, abastecida por propinas pagas por empreiteiras e outros prestadores de serviços ao Estado, conforme revelou aquele colaborador na Justiça Federal e conforme declarou Eder de Moraes, enquanto o restante, depositados em cheques emitidos por físicas e jurídicas; entre esses cheques estão os emitidos por Comercial Amazônia de Petróleo (R$ 150.000,00 -fls. 293, vale dizer, dinheiro desviado dos cofres públicos, de que Sérgio Ricardo teria se locupletado ilicitamente no curso do esquema denunciado.

O caso que se examina caracteriza, em princípio, lesão direta ao texto constitucional, por três ordens de consideração: 1) porque o ato denunciado vulnera o centro de gravidade dos valores republicanos, por representar a patrimonialização da coisa pública; 2) por traduzir usurpação de cargo público de estatura constitucional, instituído justamente para a defesa do erário; e 3) por representar fraude ao processo institucional de provimento do cargo de Conselheiro de Tribunal de Contas.

E, ao que parece, a finalidade era estratégica para a perpetuação no poder do grupo político que financiava e apoiava o acusado, fato que é público e notório nesse Estado de Mato Grosso.

A gravidade do ato pode ser considerada, por acréscimo, como resultado de uma prática política persistente adotada na Assembleia Legislativa do Estado nas últimas décadas, de onde os corréus José Geraldo Riva e Humberto Bosaipo, já condenados em 04 (quatro) ações de improbidade por este juízo e confirmadas em segundo grau de jurisdição, desviaram vários milhões de reais dos cofres públicos e por isso respondem a aproximadamente uma centena de ações civis públicas. O réu Sérgio Ricardo, que se alternava na presidência e primeira secretaria daquela Casa de Leis, de acordo com a inicial, contou com o apoio incondicional de ambos para a negociata que teria culminado na compra do cargo público de que se fala.

À época dos fatos, Humberto Bosaipo era Conselheiro do Tribunal de Contas, enquanto José Riva era Presidente da Assembleia Legislativa e Sérgio Ricardo ocupava o cargo de 1º Secretario. E foi nessa condição privilegiada que, de acordo com o depoimento do colaborador na Justiça Federal e corréu nesta ação, Gércio Marcelino Mendonça Junior, os deputados sacaram, no início de 2009, R$ 2.000.000,00 (dois milhões de reais) cada um da conta corrente mantida junto a factoring por ele controlada, dinheiro provavelmente utilizado para a compra do cargo.

Deve-se ponderar: Se uma simples investidura fraudulenta em cargo público é grave ato de improbidade, a compra de um cargo público é improbidade gravíssima. E se o cargo comprado é o de Conselheiro do Tribunal de Contas e foi adquirido com dinheiro público desviado por agentes públicos, que estão na posição mais privilegiada de poder na esfera estatal, o ato ímprobo não tem qualificação possível na esfera da imoralidade.

Em princípio, a prova do pagamento feito a Alencar Soares Filho por Sérgio Ricardo está no depoimento do corréu Gercio Marcelino Mendonça Junior, de Marcos Tolentino de Barros, representante das empresas Benetti Prestadora de Serviços e Incorporadora Ltda. e Paz Administradora de Ativos Ltda. e nos extratos de conta bancária da empresa indicada pelo então Conselheiro, as quais tiveram sigilos levantados por ordem da Justiça Federal a pedido do MPF, onde se comprovou o ingresso do dinheiro recebido pelo vendedor, como ele próprio admitiu, embora alegue que o dinheiro seria fruto de financiamento feito por seu filho para custear suas despesas médicas.

De acordo com o depoimento de Marcos Tolentino de Barros, o grupo de que era representante, sendo detentor da concessão da Rede Mundial de Rádio e Televisão Ltda. no dia 23.12.2009 formalizou a “venda” desses veículos de informação a Sérgio Ricardo (contrato de fls. 37/44- CD 05-Vol. II do IPL) ao preço de R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais). O operador Gercio M. Mendonça Júnior declarou que, a mando de Alencar Soares Filho, fez três transferências bancárias no valor de R$ 300.000,00, R$ 200.000,00 e R$ 250.000,00 e também depositou vários cheques nas conta da empresa Paz Administradora de Ativos Ltda., no valor total e R$ 2.500.000,00 (dois milhões e quinhentos mil reais), exatamente o valor que Eder de Moraes e Junior Mendonça declararam ter entregue a Alencar, por ordem de Blairo Maggi, a fim de que o então Conselheiro devolvesse o valor anteriormente recebido de Sérgio Ricardo a título de antecipação do preço da vaga negociada.

O representante da empresa Paz Adm. Ativos Ltda. afirmou ter recebido os R$ 2.500.000,00 (dois milhões e quinhentos mil reais), o valor de R$ 469.000,00 (quatrocentos e sessenta e nove mil reais) e o restante em cheques predatados, no total de R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais) em decorrência do negócio firmado com Sérgio Ricardo na aquisição da permissão da Rede Mundial de Televisão e Rádio. (DVD- 5_IPL_fls. 139/141)

A conclusão que se chega, então, segundo a inicial, é: a de que o valor de R$ 2.500.000,00 (dois milhões e meio de reais), representado por um cheque, inicialmente entregue por Junior Mendonça e Eder de Moraes a Alencar Soares Filho, e depois substituído e pulverizado na conta da empresa Paz Administradora de Ativos Ltda., a benefício de Sérgio Ricardo, revela a anterior compra por este da cadeira do Conselheiro, cujo dinheiro utilizou para pagar parte do preço da aquisição da rádio e televisão feita no final de 2009.

Junior Mendonça declara, ainda, ter feito um depósito em cheques de R$ 469.000,00 a favor da empresa Beneti Prestadora de Serviços e Incorporadora Ltda., pertencente ao mesmo grupo econômico da empresa Paz Adm. Ativos Ltda., a mando do então deputado estadual Sérgio Ricardo, em 28.12.2009. A prova desse depósito está retratada na apreensão do comprovante bancário encontrado pela polícia federal no cofre do corréu Junior Mendonça, cuja imagem foi trasladada para a peça inicial, circunstância que corrobora a vinculação do corréu Sérgio Ricardo com o esquema de desvio de recursos públicos e a utilização do mesmo mecanismo utilizado pelo corréu Alencar Soares Filho.

Enfim, a cronologia dos fatos, somada aos diversos outros elementos indiciários, reforça os indícios de que o dinheiro que chegou a Sérgio Ricardo (R$ 2.500.000,00) proveio da “recompra” da cadeira de conselheiro do TCE, feita por Eder de Moraes a mando de Blairo Maggi, conforme a sequência dos fatos narrados na inicial: 1) reunião em março de 2009; 2) viagem do então governador Blairo Maggi e do Conselheiro Alencar Soares Filho à África do Sul, em agosto/setembro de 2009; 3) recompra da cadeira com a entrega do cheque de R$ 2.500.000,00, em meados de novembro de 2009; 4) substituição do cheque e pulverização do seu valor na conta da empresa em início de dezembro de 2009, em benefício de Sergio Ricardo.

Um dado que poderia suscitar indagação é o fato de Sérgio Ricardo somente ter tomado posse do cargo de Conselheiro em 16.05.2012, ou seja, quase dois anos depois de ter, em tese, comprado a vaga. Todavia, o fato é explicado por Eder de Moraes, quando afirma que Blairo Maggi, na viagem que fez a África do Sul, ao saber que Alencar Soares pediria aposentadoria para cumprir o compromisso assumido com Sérgio Ricardo, pediu-lhe que permanecesse no cargo e logo depois determinou a operação de “recompra” da cadeira.

O retardamento na aposentadoria do Conselheiro Alencar, após a “recompra”, conforme explicou Eder de Moraes, visava esperar a abertura de uma segunda vaga no TCE, com o que se garantiria que Sérgio Ricardo fosse indicado pela Assembleia enquanto ele, Eder, seria indicado pelo Executivo, conforme teria ficado acertado com Blairo Maggi e Silval Barbosa, dentre outros, na reunião ocorrida em março de 2009. As circunstâncias indicam que provavelmente Humberto Bosaipo, então Conselheiro, respondendo a vários processos criminais e ações de improbidade administrativa, pediria aposentadoria para favorecer o grupo político que prometia apoio a Eder de Moraes. [...]. (fls. 466 e 471/474).

Daí consequente, constata-se, nesta quadra de cognição não exauriente, a existência elementos probatórios seguros, que evidenciam a comercialização de vaga para o cargo de Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso, com dinheiro do erário, a importar em verdadeiro atentado ao próprio Estado Democrático de Direito.

Afirmava Geraldo Ataliba, que pensar que a impunidade possa ser acolhida no Estado de Direito, sob qualquer disfarce, é imaginar que se pode construir uma fortaleza para dar segurança e nela instalar uma porta de papelão. E seria isso o que teria sido construído, constitucionalmente, se se admitisse que a Constituição estabeleceu, expressamente, os princípios da República, com os consectários principiológico que lhes são próprios, a garantia da liberdade do eleitor para escolher o seu representante a fim de que ele crie e aplique o direito que possa atender às demandas sociais, a garantia da moralidade e a obrigação da probidade dos representantes para segurança ética dos eleitores e, paralelamente, se tivesse permitido que se o representante trair o eleitor e fraudar a Constituição, rui o Estado Democrático, afunda-se a Constituição, sossega-se o juiz constitucional, cala-se o direito, porque nada há a fazer, diante de uma regra que se sobreporia a toda e qualquer outra; a garantir que uma pessoa pudesse se ressalvar de qualquer regra jurídica em face da regra proibitiva de seu processamento e de sua prisão em qualquer caso. [...]. (Trecho do voto da Ministra Cármen Lúcia: STF, Tribunal Pleno, HC 102732/DF, relator Ministro Marco Aurélio, publicado no Diário da Justiça Eletrônico em 6 de maio de 2010). [Sem negrito no original]

A sordidez da conduta atribuída ao agravante, não levianamente, mas alicerçada em consistentes elementos de prova, como se verifica, ainda que nesta fase, resulta na incompatibilidade de continuar no exercício da função de “julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da Administração Pública direta e indireta e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário público [...] realizar, por iniciativa própria da Assembleia Legislativa, de Comissão técnica ou de inquérito, inspeções e auditorias, de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional o patrimonial, nas unidades administrativas dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, e demais entidades referidas no inciso II [...] e, “aplicar aos responsáveis, em caso de ilegalidade de despesa ou irregularidade de contas, as sanções previstas em lei, que estabelecerá, dentre outras cominações, multas proporcionais ao vulto do dano causado ao erário”, (Constituição do Estado de Mato Grosso, artigo 47, II, IV e IX).

A conduta ímproba atribuída ao agravante, mais se agrava, porque verificada em pleno exercício de mandato eletivo, na condição de agente político: “E se o cargo comprado é o de Conselheiro do Tribunal de Contas e foi adquirido com dinheiro público desviado por agentes públicos, que estão na posição mais privilegiada de poder na esfera estatal, o ato ímprobo não tem qualificação possível na esfera da imoralidade.”.

Nesse contexto de absoluta degradação, em que agente político ousou atentar contra a própria essência do Estado Democrático de Direito, não é juridicamente admissível interpretação restritiva do parágrafo único, do artigo 20 da Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992, desvinculada dos princípios positivados na Constituição da República Federativa do Brasil e do significado da República, como se estivesse, de um lado a abençoar a probidade, e, de outro a amaldiçoar os mecanismos necessários a torna-la efetiva. Aliás, de que adiantaria, para parafrasear a Ministra Cármen Lúcia, construir “uma fortaleza para dar segurança e nela instalar uma porta de papelão”.

Não se interpreta o direito em tiras; não se interpreta textos normativos isoladamente, mas sim o direito, no seu todo. [...]. (Trecho do voto do Ministro Eros Grau: STF, Tribunal Pleno, ADPF 101/DF, relatora Ministra Cármen Lúcia, publicado no Diário da Justiça Eletrônico em 4 de junho de 2012).

Mister ressaltar que, entre nós, as dificuldades detectadas para garantir a lisura e a moral como elementos vetores a comandar as condutas dos administradores públicos refletem notadamente uma deficitária aplicação do extenso arsenal de instrumentos que a Constituição – como acima verificado – preconizou para garantir ao cidadão um bom governo. (ALMEIDA, Fernando Dias Menezes de; MARQUES NETO, Floriano de Azevedo; MIGUEL, Luiz Felipe Hadlich; SCHIRATO, Vitor Rhein (coordenadores). Direito Público em Evolução: estudos em homenagem à Professora Odete Medauar. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2013, p. 720).

Portanto, constatada a absoluta incompatibilidade ética do exercício de cargo de relevância impar na República, enquanto não refutada, a até aqui consistente, imputação de que a vaga de Conselheiro do Tribunal de Contas ocupada pelo agravante, decorreu de negócio espúrio, com utilização de dinheiro do erário, é de rigor o seu afastamento do cargo, até mesmo pela necessidade de se preservar a ordem pública, “sob pena de se esfacelarem as instituições e a confiança da sociedade no direito e a descrença na justiça que por ele se pretender”, (Ministra Carmen Lúcia, HC 102732/DF). 

Assim, é certo que o Poder Judiciário possui competência para impor penas criminais (dentre as quais se encontra a de perda da função pública — art. 92, I, do Código Penal). Daí se conclui que é possível que agentes políticos sejam retirados do cargo que ocupam por decisão judicial. Se isso é cabível na esfera criminal, porque não seria na esfera cível? Como dito, ou o Poder Judiciário possui legitimidade constitucional para atuar em ambas as esferas, ou não possui para atuar em qualquer delas.

Destaque-se que não são apenas as normas de cunho criminal que reforçam a possibilidade de exame da improbidade administrativa de agentes políticos pelo Poder Judiciário. A Constituição Federal está recheada de normas não-penais que cerceiam direitos políticos em virtude de atos contrários ao interesse público ou de má gestão administrativa. (GHIGNONE, Luciano Taques. Improbidade Administrativa Versus Investidura Democrática. In: Estudos sobre improbidade administrativa em Homenagem ao Professor J.J. Calmon de Passos. Organizadores: Cristiano Chaves de Farias, Alegandre Albagli Oliveira e Luciano Taques Ghignone. 2. ed. Salvador: JusPodivm, 2012, p. 65).

Por fim, é de ser registrado que o descalabro no exercício de cargo ou função pública, atingiu tamanha proporção, que a Lei nº 9.613, de 3 de março de 1998, com a redação dada pela Lei nº 12.683, de 9 de julho de 2012, dispõe no artigo 17-D que em “caso de indiciamento de servidor público, este será afastado, sem prejuízo de remuneração e demais direitos previstos em lei, até que o juiz competente autorize, em decisão fundamentada, o seu retorno”.

Em conclusão, não constato, neste momento, razão suficiente para se suspender a eficácia da decisão agravada.

Essas, as razões por que determino o processamento do recurso, sem atribuir a ele efeito suspensivo.

Intime o agravado para que responda (Código de Processo Civil, artigo 1.019, II).

Após, à Procuradoria-Geral de Justiça.

Intimem.

Às providências.

Cuiabá, 25 de janeiro de 2017.

Des. Luiz Carlos da Costa

Relator 




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