Milei venceu. Contrariando as pesquisas, a vitória ocorreu por mais de dez por cento de vantagem, o que representaria muito mais de uma cabeça de diferença, caso fosse feita a comparação com as corridas de cavalo.
Assim como o famoso tango de Gardel chamado "Por una cabeza", o resultado da eleição presidencial argentina permite várias interpretações. A motivação dos votos, o caminho percorrido nos meses mais recentes e a perspectiva para o país vizinho são pontos que merecem análise, inclusive pela relevância que o referido acontecimento político tem para a América do Sul e, em especial, para o Brasil.
Primeiramente, a grande questão que surge é: por qual motivo os argentinos escolheram alguém com características tão peculiares quanto Milei? O fato de o presidente eleito ter feito declarações incomuns nos campos pessoal (como no que toca à relação dele com os pais ou com o falecido cão) e profissional (vide a proposta de extinção do Banco Central e dolarização da economia) não afastou o eleitorado; ao contrário, parece ter aproximado a população do candidato vitorioso, uma vez que é visto como um outsider e, assim, representa a esperança de algo novo.
Dada a crudelíssima realidade atual na Argentina, com inflação anual em torno de 140% e cerca de 40% da população abaixo da linha da pobreza, não é razoável exigir que o cidadão espere qualquer coisa de uma pessoa que materializa o status quo, como era o caso do oponente, o governista Sergio Massa. Entre a certeza do fracasso e o salto no escuro, optou-se pelo segundo caminho, situação que não é estranha aos brasileiros. Se tal escolha representa uma saída gloriosa da dificuldade atual ou uma tragédia histórica, somente o exercício do mandato trará a resposta.
Nos meses que antecederam as eleições, observou-se o uso da máquina pública argentina pelo candidato Massa, que ocupava concomitantemente o cargo de Ministro da Economia, demonstrando uma curiosa falha institucional na democracia do país vizinho. Em um primeiro momento, a estratégia parece ter dado certo, pois garantiu ao candidato do governo a vitória no primeiro turno. O populismo peronista/kirchnerista parece ainda vicejar, mesmo que não seja com a mesma força de antes.
Como sabido, tal comportamento político tende a criar raízes mais fortes historicamente em países caracterizados pela pobreza e desigualdade, ainda que tenha surgido com vigor nos últimos tempos em nações desenvolvidas socioeconomicamente (por motivos diferentes aos apontados, diga-se). No Brasil, o populismo e o uso da máquina estatal a fim de favorecer o candidato situacionista são tópicos conhecidos de longa data.
As perspectivas para o governo eleito são uma grande incógnita. Necessitando de apoio no parlamento para implementar as reformas prometidas em campanha, dado que sua base é minoritária, o candidato vitorioso deverá fazer concessões em sua plataforma radical para angariar votos de deputados e senadores. Ao seguir por tal caminho, Milei corre o risco de ceder em suas propostas a ponto de causar a frustração na respectiva base eleitoral, fenômeno ocorrido com o ex-presidente Macri, que não conseguiu a reeleição justamente pelo gradualismo adotado nas reformas econômicas que a Argentina tanto necessita. É o que a democracia exige: a reforma possível, feita com base em concessões mútuas, dadas as condições políticas do momento e algo distante do ideal preconizado em época eleitoral. Estando em meio à discussão de uma reforma tributária, os brasileiros compreendem a diferença entre a proposta inicial e aquela possível de ser aprovada.
A eleição e, mais do que isso, o sucesso ou fracasso de Milei na presidência argentina podem ser um sinal de mudança para a região, atualmente com vários chefes do Executivo situados à esquerda no espectro político (o presidente brasileiro entre eles). Caso a proposta de maior segurança jurídica, mercado mais livre e estrutura estatal enxuta obtiver êxito, é possível que os países sul-americanos sejam influenciados pelo exemplo dos hermanos.
Entretanto, se a tentativa do candidato vitorioso de alterar a estrutura jurídica e econômica do país não produzir bons frutos nos próximos tempos, o peronismo tende a voltar com força, ainda que com roupagem mais moderna, dada a natural mudança geracional que deverá ocorrer na corrente política que, nas últimas duas décadas, foi dominada pela família Kirchner. A Argentina olhou-se no espelho e decidiu arriscar ("yo me juego entero"), como diz uma parte do tango de Gardel já mencionado neste artigo. O resultado? O tempo irá dizer.
Elton Duarte Batalha é professor na Faculdade de Direito (FDir) da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM). Advogado e Doutor em Direito.
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