Em ano político-eleitoral, surgem magias, faz-de-conta e ilusões, como se o país, da noite para o dia, tornasse um enorme picadeiro e os políticos-candidatos, grandes encantadores de elefantes. Coelhos são tirados da cartola, rosas se transformam em pombas, e voam pelas imediações, moedas aparecem do nada, de um simples gesto com os dedos, e a carta-solução, logo, retirada da manga, fazendo se passar por grandes jogadores, sem jamais terem sido Aleksei Ivanovitch.
Este personagem de um dos romances de Dostoiévski, envolvido em um caso de jogo patológico bastante representativo, com a dramática evolução do transtorno nas seguintes fases: ganho, perdas e desespero. Não são Ivanovitch, mas não deixam a condição de jogadores, e jogam com os desejos e vontades da população, com o fim de se manterem ou conquistarem os cargos que tanto sonham e desejam, mostrando-se precavidos, e possuidores de alternativas a serem utilizadas diante de uma necessidade.
Ainda que a dita carta seja roubada, à moda de um dos contos de Edgar Allan Poe, com um de seus personagens, diante a uma indagação que lhe foi endereçada, respondeu: “tinha um fim em vista. Você sabe quais são as minhas simpatias políticas... ajo como partidário...”, embora ignorasse que não mais podia dar as cartas. Pois esta condição era de outro, e, desse modo, caminhava-se, “sem o saber, rumo à sua própria ruína política”, mesmo sendo “genial sem princípios”, porém fosse desconhecido “o caráter de seus pensamentos” quando desafiado.
Desafiados, todos eles são, o que os levam a confabularem, negociarem e a traçarem planos capazes de levarem ou manterem no poder. E, então, assim que se inicia o ano político-eleitoral, governantes abrem os próprios bornais, fechados a sete chaves, e distribuem suas bondades. “Pão e circo” em nova roupagem, ainda que seja tática antiga, bastante forte na conquista de votos. Afinal, comunidades inteiras são persuadidas, talvez em razão da crise econômica, e, neste caso, qualquer migalha faz um grande efeito, capaz até de provocar diminuição de índice de rejeição de candidato-a-reeleição e de desaprovação de um governo.
Os números das pesquisas demonstram isso com clareza. Basta que se dê uma olhada cuidadosamente. Daí, claro, por parte dos governos dos Estados, a divulgação em demasia da quantidade de sacolões distribuídos, registros de cartões-famílias e de liberação de emendas. Já do lado do governo federal, a antecipação do pagamento do 13º. do INSS, novo saque do FGTS, “vale gás”, Auxílio Brasil. Haja bondade! Efeito eleição. Compra explícita de votos.
Isto porque os contemplados com tais migalhas (não são para os que precisam) passam a lhes ser eternamente gratos, ainda que não devesse sê-los, até porque faz parte da tarefa do Estado combater a miséria, a pobreza e a extrema pobreza, de acordo com o artigo 3º. da Constituição Federal. Gratidão diferente da gratidão que se devia ter. Pois aquela, estranhamente, tem que ser paga justamente no dia da eleição.
Sem titubeio, os contemplados-votantes, à frente da urna, digitam os números dos “bondosos governantes”, que nada têm a ver com samaritanos, pois nunca ouviram falar na histórica província de Samaria, e se um dia ouviram falar dela, desconhecem por completo sua importância para os descendentes dos antigos israelitas, tampouco têm ciência de que tal povo não se considera judeu.
Os ditos “bondosos”, desse modo, se passam por quem nunca foram. Ficaram quase todos seus mandatos a ignorarem os que mais careciam da ajuda do Estado, o qual continuava a servir alguns poucos. Os mesmos que, há muito, agarraram as tetas da vaca, e não a soltam por nada deste mundo.
Ainda que se viva sob as consequências de uma guerra absurda e de uma pandemia violenta, que agravam as dificuldades econômicas do país, elevando o custo de vida e a inflação. Inflação que se movimenta de forma descontrolada, sem que haja qualquer medida para contê-la. Não há. Nem, ao menos, existe uma luz que possa servir de orientação, afinal, os atores do jogo político estão preocupados com uma única coisa, manterem seus empregos, ou, quem não os têm, conquista-los. Daí o rosário de suas mágicas e seus quadros de ilusão. Hora do picadeiro. É isto.
Lourembergue Alves é professor universitário e analista político.
Ainda não há comentários.