A Constituição Federal ao disciplinar o regime de cumulação de cargos públicos, autorizou:
Art. 37 ...
XVI – é vedada a acumulação de cargos públicos, exceto, quando houver compatibilidade de horários, observado em qualquer caso o disposto no inciso XI;
a) a de ois cargos de professor...
Não fazendo, contudo, alusão ao alcance da expressão “desde que haja compatibilidade de horário”, permitindo-se, assim, que os Tribunais atuassem para que fosse alcançada essa definição.
Inicialmente os Tribunais posicionaram-se no sentido de que a referência constitucional tinha o condão apenas de impedir que houvessem jornadas sobrepostas, ou seja, em não havendo choque de horário no exercício dos dois cargos seria possível a cumulação.
Ocorre que o Superior Tribunal de Justiça, modificou seu pensamento inicial e passou a entender que o exercício das atribuições dos dois cargos não poderia se dar de forma a superar a jornada de 60 (sessenta) horas semanais de trabalho.
Nesse sentido:
ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. ACUMULAÇÃO DE CARGO DE PROFESSOR E TÉCNICO DE LABORATÓRIO. PARECER AGU GQ-145/1998. JORNADA SEMANAL SUPERIOR A 60 (SESSENTA HORAS). IMPOSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA QUE DISCIPLINA A PRESTAÇÃO DO SERVIÇO PÚBLICO
1.Cuida-se, na origem, de Mandado de Segurança impetrado pelo ora recorrido, com o fim de garantir seu alegado direito de acumular os cargos atualmente ocupados de Técnico de Laboratório do curso de Engenharia Civil da UFERSA e de Professor na Escola Estadual Moreira Dias, conforme aprovação em concurso público de provas e títulos.
2. A atual jurisprudência do STJ entende ser acertado o Parecer GQ-145/1998 da AGU, que limita a acumulação de cargos públicos a no máximo 60 horas semanais. A disposição do inciso XVI do art. 37 da Constituição Federal constitui exceção à regra da não acumulação;
assim, deve ser interpretada de forma restritiva, respeitando-se o princípio constitucional da eficiência, de modo que o profissional precisa estar em boas condições físicas e mentais para bem exercer as suas atribuições, o que é impossível em condições de sobrecarga de trabalho. Precedentes: MS 19.300/DF, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, DJe 18/12/2014; AgRg no AREsp 728.249/RJ, Rel. Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, DJe 23/9/2015; AgRg no AREsp 581.144/RJ, Rel. Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, DJe 25/9/2015; AgRg no AREsp 737.684/RJ, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 17/9/2015; REsp 1.435.549/CE, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 3/12/2014; AgRg no AREsp 527.298/RJ, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 12/11/2014.
3. Tendo o Tribunal de origem decidido a controvérsia em descordo com o atual entendimento do STJ, deve ser reformado o aresto proferido na origem.
4. Recurso Especial provido.
(REsp 1681597/RN, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 03/10/2017, DJe 17/10/2017)
O mesmo artigo 37 da Constituição Federal, ao regular a cumulação de proventos e remuneração ainda estabeleceu que:
§ 10 – É vedada a percepção simultânea de proventos de aposentadoria decorrentes do art. 40 ou dos arts. 42 e 142 com a remuneração de cargo, emprego ou função pública, ressalvado os cargos acumuláveis na forma desta Constituição, os cargos eletivos e os cargos em comissão declarados em lei de livre nomeação e exoneração.
A possibilidade de recebimento de remuneração em conjunto com proventos, quando o servidor possui um cargo de professor e é aposentado na mesma condição, em razão, do referido autorizo constitucional e do entendimento do Superior Tribunal de Justiça, fez com que se gerasse dúvida acerca da limitação ou não de carga horária.
Limitação essa que seria feita, em tese, considerando-se a carga horária do cargo ocupado pelo servidor durante a ativa e o que exerce atualmente, aplicando-se, a partir daí o entendimento de que a soma de ambas não pode superar 60 (sessenta) horas semanais.
Entretanto, essa restrição não pode alcançar o servidor aposentado em um vínculo e na ativa em outro, simplesmente pelo fato de que seu intento é o de assegurar a saúde do trabalhador e a eficiência do serviço prestado.
E nessa condição, o fato de ser o servidor aposentado, faz com que o desgaste sofrido pelo mesmo seja inerente a seu período de descanso, como o de qualquer outro trabalhador.
Isso porque, não qualquer vinculação entre a inatividade e a jornada de labor, ressalvado sua extensão para efeitos remuneratórios, nos casos de servidores que possuam direito à paridade.
Além disso, não se pode perder de vista o fato de que a aposentadoria, conforme previsão contida nos Estatutos de Servidores, constitui-se em causa de extinção de vínculo.
Razão pela qual não há que se falar mais em jornada de trabalho do servidor aposentado, ao menos no vínculo inativo.
Daí o STJ já ter definido que:
ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. SERVIDOR PÚBLICO. ACUMULAÇÃO DE DOIS CARGOS PÚBLICOS DE PROFESSOR. DECADÊNCIA. NÃO OCORRÊNCIA. COMPATIBILIDADE DE HORÁRIOS. IMPERTINÊNCIA. CARGO EM INATIVIDADE. JURISPRUDÊNCIA DO STF. APLICAÇÃO DO DIREITO À ESPÉCIE. SÚMULA 456/STF E ART. 257 DO RISTJ.
1. Hipótese em que a autora pretende ver reconhecido o direito de permanecer no cargo de professora, com jornada de trabalho de 40 horas semanais, continuando a receber proventos de aposentadoria de forma integral, por ter se aposentado em outro cargo de professora, com a mesma carga horária.
2. Não ocorre a decadência do direito da Administração Pública em adotar procedimento para equacionar ilegal acumulação de cargos públicos, uma vez que os atos inconstitucionais jamais se convalidam pelo mero decurso do tempo. Precedente.
3. A teor do que dispõe os art. 257 do RISTJ e da Súmula 456/STF, uma vez conhecido o recurso especial, deve este Superior Tribunal aplicar o direito à espécie. Precedentes.
4. Segundo orientação da Suprema Corte, é impertinente a exigência de compatibilidade de horários como requisito para a percepção simultânea de um provento de aposentadoria com a remuneração pelo exercício de outro cargo público. (Precedentes do Pretório Excelso: RE 547731 AgR, Relator(a): Min. EROS GRAU, Segunda Turma, DJe 31.07.2008 e RE 701999 AgR, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 02/10/2012, DJe 19.10.2012).
5. Agravo regimental a que se nega provimento.
(AgRg no AREsp 415.292/SC, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 03/12/2013, DJe 10/12/2013)
Acompanhando a Corte Suprema:
EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ACUMULAÇÃO DE DOIS CARGOS DE PROFESSOR. ARTIGO 37, XVI, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. 1. A acumulação de dois cargos de professor --- um cargo inativo com outro em atividade --- não viola do disposto no artigo 37, XVI, da Constituição do Brasil. 2. Não há incompatibilidade de horários se a servidora já se encontra aposentada em um dos cargos. Precedente. Agravo Regimental a que se nega provimento. (RE 547731 AgR, Relator(a): Min. EROS GRAU, Segunda Turma, julgado em 17/06/2008, DJe-142 DIVULG 31-07-2008 PUBLIC 01-08-2008 EMENT VOL-02326-08 PP-01546)
Assim, a carga horária do cargo no qual o servidor se aposentou não pode ser considerada para efeitos de aplicação da limitação de jornada semanal de trabalho estabelecida para o servidor que possui dois vínculos.
Bruno Sá Freire Martins é advogado e presidente da Comissão de Regime Próprio de Previdência Social do Instituto dos Advogados Previdenciários – Conselho Federal (IAPE). Bruno também é autor de obras como Direito Constitucional Previdenciário do Servidor Público, A Pensão por Morte, e Regime Próprio - Impactos da MP 664/14 Aspectos Teóricos e Práticos, além do livro Manual Prático das Aposentadorias do Servidor Público e diversos artigos nas áreas de Direito Previdenciário e Direito Administrativo.
Ainda não há comentários.