Uma das maiores preocupações de quem recebe dinheiro público destinado à execução de projetos (culturais, esportivos, etc ) é a prestação de contas. Quem não comprova que empregou os recursos públicos adequadamente deve ser condenado a restituir os valores e ainda pagar multa. Dada a importância da prestação de contas, é recomendável que toda a atividade seja acompanhada de profissionais especializados (advogados e contadores, principalmente).
No âmbito dos Tribunais de Contas, um dos principais e mais atuantes órgãos de controle externo, o ressarcimento, restituição, devolução ou indenização de valores é uma das medidas mais graves a serem adotadas em caso de falta de comprovação adequada de como os recursos foram empregados.
Uma das grandes dúvidas sobre o tema é saber até quando os valores podem ser cobrados.
Há, essencialmente, duas teses: da imprescritibilidade e da prescritibilidade.
De acordo com a primeira, não há prazo para a cobrança dos valores.
De acordo com a segunda, a devolução deve ser exigida em determinado tempo (neste caso, a discussão é se o prazo é de 5 ou 10 anos).
A primeira tese está fundada no art. 37, § 5º da Constituição Federal ("A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento"). A expressão "ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento", significaria, então, que a ação de restituição não tem prazo para ser iniciada.
A partir do § 5º, inclusive, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que são imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato doloso (intencional) tipificado na Lei de Improbidade Administrativa (RE 852475/SP).
Essa é a tese que prevalece nos Tribunais de Contas da União e do Estado de Mato Grosso.
Assim, uma pessoa que tomou dinheiro público há 15, 20 ou mais anos e não prestou contas pode ser compelida a devolver os valores, mesmo após tão longo tempo.
Ocorre que, em abril de 2020, o STF proferiu a seguinte decisão no Recurso Extraordinário nº 636.886/AL: "É prescritível a pretensão de ressarcimento ao erário fundada em decisão do Tribunal de Contas."
Nessa oportunidade, o STF também esclareceu que o entendimento do RE 852475/SP, não se aplica aos processos dos Tribunais de Contas.
Em resumo, disse a Suprema Corte que: a regra é a prescritibilidade (há prazo para exigir a devolução dos recursos);
Excepcionalmente, a devolução dos valores pode ser feita a qualquer tempo - isto é, não há prazo para cobrar a restituição – se o ato for considerado intencional e enquadrado na Lei de Improbidade Administrativa;
Contudo, a exceção não se aplica ao processo de contas.
O argumento do STF foi o seguinte: nos Tribunais de Contas não se julgam pessoas, mas contas. Por isso, não há que se discutir a existência de dolo.
Logo, o entendimento dos Tribunais de Contas (no sentido de que não há prazo para exigir o ressarcimento) está superado pelo entendimento do STF. Consequentemente, é de se esperar que os Tribunais de Contas revisem o entendimento sobre o assunto.
Por fim, é preciso registrar que tudo o que foi dito se refere às ações de ressarcimento de valores, não abarcando as multas, que, por terem natureza punitiva, devem ser aplicadas dentro de determinado prazo (regra da prescritibilidade).
Daniel Zampieri Barion é advogado, procurador do Município de Cuiabá e membro da União dos Procuradores do Município de Cuiabá (Uniproc). Contato: uniproc.cuiaba@gmail.com
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