É possível a existência de algo fora da mente? Explico, perguntando. É possível que tenhamos ideias sem que haja correspondência com o mundo sensível?
Os seres ditos racionais (sem entrar na questão filosófica de ente e ser etc.) fazem julgamentos, diferenciam situações e tomam partido. Essa capacidade em escolher traz com ela um conteúdo anterior, sopesado no instante final do acolhimento de uma opção.
Pois bem. Esse citado conteúdo anterior vem em modelos aceitos e integralizados harmonicamente na mente. Não existe fora dela, é uma sua qualidade primária, ao lado dos movimentos, figuras, extensão, dentre outras. Não vou aqui emendar com os que entendem possível existirem fora da mente (Descartes, Locke etc.) ou mesmo os que respondem a isso tudo negativamente (George Berkeley, por exemplo).
Contudo, há que se homenagear o último citado filósofo quando a isso chama de percepção. Se existe ou não ‘ideias abstratas’ pode ser assunto para outro Bedelho.Filosófico; por ora, contentam-se com o posto até agora.
Sim, a percepção realiza o modelo, torna-o possível. E não poderia ser diferente, pois, é dela o comando receptor dos sentidos, por ela apreende-se o objeto, resume-se e guarda os fatos, até valorando-os (aqui, como qualidade secundária).
Assim, não se deve assustar com os julgamentos dos ditos racionais, repita-se. A forma da abordagem cognitiva de cada qual é relevante nesse emaranhado de conteúdo axiológico a que a mente humana recepciona. É mais que comum os disparates conclusivos quanto aos acontecimentos e fenômenos sociais.
Onde se encontrará objetividade nos testemunhos? E nos julgamentos? Aliás, escrever objetividade em julgamento é uma contradição por si só. Cada pessoa é uma complexidade, ali resume cultura, sentimento, ideologia, trauma, alegria, tristeza, paixão e vontade que, se fosse possível aferir cada um, ter-se-ia uma nova modalidade de diferenciação de identidade muito superior à mera impressão digital. Conhecer-se-iam a essência, facilitando o trabalho dos psiquiatras e psicólogos.
O que se proclamou como voz aos idiotas (Umberto Eco) dada pela internet contradiz com a condição humana. Não são idiotas, nunca serão. Estão em evolução na sua incompletude. Todos estão, estamos nós. Nascer Machado de Assis ou Kant não é regra.
O que fazer, então? Calçar as sandálias da humildade e saber ouvir com muita paciência. É tempo de acolhimento e não de dissensão. O entendimento, o conteúdo, leva à aceitação; o apego às formalidades, à discórdia.
Quem ainda não foi vítima de julgamentos precipitados? Não se desvencilha da alteridade. Isso não quer dizer que não se possa, energicamente, repelir os maldosos, os arrogantes e os inescrupulosos. A defesa própria é um princípio inerente ao convívio social.
A percepção dá sentido ao conteúdo da mente. Percebe-se de diferentes formas e densidades. E a mente traduz em atos o quanto percebido. Não tem como ser diferente, diferença há nos valores. Afinal, ‘Eu não sou o que acontece comigo. Eu sou o que escolho me tornar’ (Jung).
É por aí...
Gonçalo Antunes de Barros Neto (Saíto) tem formação em Filosofia e Direito, autor da página Bedelho. Filosófico no Face, Insta, Telegram, Twitter e YouTube, e escreve aos domingos em A Gazeta.
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