• Cuiabá, 21 de Novembro - 00:00:00

Ágora Moderna

A democracia antiga, mais precisamente a ateniense, tinha como símbolo os cidadãos reunidos na ágora, onde se discutiam as questões da cidade, seus problemas e os interesses e as situações conflituosas da sociedade. Hoje, em quaisquer lugares do mundo, é humanamente impossível a reunião de todos em praça pública, ainda que haja um turbilhão de necessidades e de aflições infinitamente maiores que as da Grécia pretérita, e há, sem dúvida, pois são variados os desejos, múltiplas as arrebentações e um mundão de desigualdade.

Quadro que carece ser discutido, e, por meio deste, encontrar as soluções necessárias, afinal não é outro o papel da política – gestão dos desejos conflituosos, ou mediadora entre os desejantes em conflitos. Urge, portanto, a transformação de cada rede social em uma ágora, até por conta da sua condição de atrair remotamente mais e mais pessoas, mesmo em um ambiente de distanciamento físico-social. Condição, estranhamente, sendo usada para outras coisas, e não, necessariamente, para o debate, para as discussões.

Discussões e debates tão importantes, e porque não dizer imprescindíveis na vida em democracia, cuja existência depende da participação de todos, os quais devem ter iguais direitos, a despeito das diferenças que existem entre eles. Igualdade no espaço público, contudo, sempre desrespeitada, agredida. Ainda assim, contraditoriamente, se dizem: “todos são iguais perante a lei”. Esta frase, diante do cenário vivido, secular, soa aos ouvidos como sarcástico, anedota. Isso porque apenas alguns poucos, mas bem poucos mesmos veem-se beneficiados pela lei, enquanto aos demais, o rigor dela, e sem chance alguma de reclamarem, pois são invisíveis aos olhos dos outros, também pelos das autoridades, ao contrário daqueles primeiros, vez ou outra, bajulados, ainda que tenham cometidos ilícitos, crimes ou a chamada infração, praticada por menores, afinal, a medida socioeducativa privada de liberdade e todas as situações de risco e vulnerabilidade que demandam abrigo, são apropriadas apenas para os adolescentes pobres, os quais, diferentemente dos menores ricos, tem suas internações justificadas, até em razão da gravidade da prática de ato infracionais – desde furtos, assaltos, crimes sexuais, atentado ao pudor, estupro até o de tirar a vida de alguém.

Pois tal decisão está, e estará sempre juridicamente fundamentada, validada e legitima, ainda que faltem provas de autoria, “uma vez que as razões consignadas no decisum vergastado nunca são frágeis”.

Entende-se o porquê não consta o nome de um único menor abastado, embora infrator, na lista de internação tanto do Lar do Adolescente como na do Lar Menina Moça. Será por que esses espaços de reclusão são úmidos, sombrios, barulhentos, que ironicamente recebem a denominação de Centro Socioeducativo Pomeri? Ou, quem sabe, por estarem longe de ser um paraíso de concreto, sem que sejam ladeados por flores e iluminados pelo arco-íris permanente? Ou, talvez, por ser um mundo mofado, áspero, com um forte gosto de amargo e cheiro de coisas desacompanhadas de esperança? Ou, na verdade, por que a Justiça, ao invés de ter o rosto vedado, tem os olhos bem abertos para acobertar o que jamais deveria ser acobertado?

Perguntas que se multiplicam quando se veem com a lupa nas listagens dos presídios comuns, com mais de 40% de seus integrantes que, sequer, foram julgados. Entre eles, nenhum de origem de família de magnatas. Ainda que existam criminosos também cheios da grana. Mas estes têm o dinheiro como salvo-conduto. A lupa, então, se volta para o que é justiça. Justiça que não se restringe apenas aos limites do Judiciário.

Sua jurisdição é muito mais abrangente. Extrapola os limites da régua que dirime quem está ou não certo, e alcança todos os quadrantes do Estado, cujos braços estão estendidos ao econômico, ao social e ao político. Então se percebe a grandiosidade da política, sem ser a partidária ou a abraçada pelo torcedor, pois é ela, a politica, que gesta, e, ao mesmo tempo, faz a gestão dos negócios públicos, dos desejos em conflitos. Certamente seja este a discussão primeira que se deve ter nas ágoras das redes sociais. É isto.

 

Lourembergue Alves é professor universitário e analista político.



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