• Cuiabá, 25 de Junho - 00:00:00

O Lado Obscuro

O tempo estava diferente. Tudo era bastante estranho. Nada se assemelhava com o clima primaveril passado, nem o de anos anteriores, embora o grande jardim, imponente como quando fora criado, aparentemente, continuava igual como dantes. Mas... Espere... Alguma coisa nele parecia fora de lugar, até o perfume das rosas que, costumeiramente, por tal época, se espalhava por todo o ambiente, dava mostras de fragilidade, efêmero e se encontrava longe, muito longe de alcançar todo o perímetro habitualmente alcançado. Não só isso... Ah!... Sumiu o encantamento do ar pela manhã, também o relento, à noite.

Faltou a condensação do vapor da água da atmosfera. Nenhuma gotícula. Havia uma sequidão: terra, telhados, folhagens, etc. Explicavam-se, então, o sumiço do sereno e o cheiro de grama molhada. Sentia-se outro. Bem mais forte, e estava por quase toda parte. Certamente o de cachaça. Mesmo que há quem acredita ser do forte odor de enxofre. Ou, não se sabe o que. Ou ainda, sei lá. Talvez, aproximado ao de um absinto. E tem a duração de alguns segundos nos pulmões, caso inalado em ambientes fechados, sem acarretar em sua absorção na corrente sanguínea, diferentemente do consumo de bebida alcoólica Queima e produz tonturas quando inalados por crianças. Resseca a pele. Algumas pessoas chegam a usar luvas, outras apenas a máscara, que lhe cobre parte do rosto, mais especificamente boca e nariz.  

Novos hábitos, novos procedimentos. Não mais o apertar das mãos, os abraços e os três beijinhos (ou são dois, ou mesmo um?) no rosto. Cumprimentam-se com o toque dos antebraços, ou, em alguns casos, como em uma porção de países, a exemplo do Japão e Coreia, curvar-se diante da pessoa. O distanciamento e a não aglomeração são as recomendações, com vistas ao impedimento da proliferação do vírus, pois estes, de verdade, não possui casa própria, por isso, ele faz do corpo humano sua morada, e se vale deste mesmo corpo para atingir a outros. Daí a necessidade do isolamento social, do fechamento de parte dos setores da economia.

Tudo para quebrar a corrente feita pelo coronavírus, afinal, ainda não se tem a vacina, tampouco o remédio ou coquetel de remédio para combater a pandemia. Não se trata de uma gripezinha, muito menos de uma simples virose, mas de um vírus desconhecido e altamente perigoso, que vem fazendo suas vítimas. Os números delas são crescentes. Mesmo que seja, e é também crescente a quantidade de recuperados, e esta reascende as esperanças, não a ponto de se ignorar ao redemoinho da contaminação, ainda que em meio ao nevoeiro de dúvidas, de incertezas e de medo. Muito embora exista uma porção de pessoas que prefere se arriscar, seguir nadando contra a maré, desrespeitando as regras, as normas e as recomendações de especialistas e das entidades da saúde, como se fizesse do próprio viver uma brincadeira perigosa de roleta russa.

Os contaminados têm órgãos, em especial os pulmões seriamente comprometidos. Tornando, assim, presas frágeis. Tão fragilizadas que suas vidas são mantidas por apenas um filete bem fininho. Qualquer solavanco, por menor que seja este, o tal filete se desfaz, e, então, vidas são ceifadas. Uma dor imensa invade as estranhas dos familiares, enraíza-se com facilidade, tanto que jamais será apagada, esquecida. Nem mesmo pelo tempo.

Ainda que o clima venha a ser outro (e tomará que seja em breve) distinto do vivido, com o jardim todo florido, as rosas a voltarem a exalar seus conhecidos perfumes, e, assim, voltarão a adocicar a existência, apesar das dificuldades costumeiras, uma vez que a saúde pública continuará sendo apenas uma peça de retórica, a despeito das lições da pandemia. Infelizmente. É isto.

 

Lourembergue Alves é professor universitário e analista político. E-mail: lou.alves@uol.com.br



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