A democracia não vem pronta e acabada e servida em uma bandeja. Nada disso. Ela é uma eterna construção e reconstrução. Construção e reconstrução nenhum pouco linear. Mas, tal como a história, cheia de idas e vindas. Inclusive com retrocessos. Também com paralisações. Sofre paralisação, por exemplo, toda vez que as diferenças são desrespeitadas e os diferentes agredidos. Cometem essas agressões e esses desrespeitos justamente quem não tiveram, nem têm formação política alguma, nem foram educados a contento para a vida comunitária e em sociedade, ainda que sejam atores do jogo político.
Mas, evidentemente, seus desempenhos são sempre medíocres, mesmo que tenham sidos eleitos e reeleitos, ocupado e ocupem cargos de destaques do Estado, municípios e unidades da federação. Procuram, e fazem da atividade política profissão ou se servido dela para ampliarem o patrimônio pessoal e familiar. O público, deste modo, transformado em extensão do privado. Inversão de valores. Pois a “res publica”, para essas pessoas, jamais teve significado ou sentido algum, embora se apresente como seu defensor. Pura enganação! E o povo...
Ah!... O povo, realçado em falações durante o processo político-eleitoral, serviu, e serve-se apenas em sustentação retórica, bem como de apoios aos grupos em confrontos. Confrontos na arena, ou tanto dentro dos Parlamentos, quanto entre o Executivo e o Legislativo. Nesse meio tempo, partes desse mesmo povo, infelizmente, utilizadas como massa de manobra, e, quando muito, elevadas a agentes ou a condição de simples aplaudidoras da polícia política.
Não foi outra a condição que se registrou, presenciou ou se leu, ou ambos, durante o Estado Novo (1937-45) e a ditadura burocrático-militar (1964-85). Hoje em dia, vale dizer, inexiste a polícia política – própria do autoritarismo e das ditaduras -, ainda que se conte com a presença da milícia, uma espécie de herdeira do esquadrão da morte, que esteve também a serviço do regime militar.
A Polícia Federal, vez ou outra, tem-se desviado de sua função constitucional de Polícia de Estado, não pode, nem deve ser considerada como aquele tipo de polícia, mesmo que o chefe do governo venha a reclamar e a cobrar por relatórios de suas diligências e de sua inteligência. Reclamação e cobrança indevidas. Pois, ao fazê-los, e uma vez obtendo-se, agride de morte os princípios do Estado democrático.
Este, a exemplo do que se falou a respeito da democracia, também não se encontra completamente pronto, pois sempre há uma coisa ou outra para ser reparado, assim como se faz com uma dada regra que não mais condiz com as necessidades da população. Principalmente no caso brasileiro, afinal, o Estado brasileiro se sustenta por um tripé: corporativismo, cartorialismo e patrimonialismo.
Tripé que deveria ter sido demolido há muito tempo, pois é ele o alimentador da impunidade, da imoralidade e dos privilegiados, os chamados “homens bons”, adotados desde o período colonial (lembra-se?), verdadeiros detentores de privilégios, em forma de penduricalhos e regalias ou bônus da lei, enquanto toca para a imensa maioria da população tão somente o ônus da lei, a tarefa de sustentar a máquina administrativa e, claro, os farelos do bolo que chegam ao chão.
O que faz do país uma nação muitíssimo desigual, pois os muros, os enclaves são construídos com os tijolos da desigualdade, e onde se mantêm presos os diferentes. Prisões de difícil soltura. Embora um ou outro deles seja cooptado, e, ao sê-lo, fica a serviço dos privilegiados, algoz de seu próprio grupo, a exemplo do que fizera o presidente da Fundação Palmares, Sérgio Camargo, que chamou o movimento negro de “escória”. Isto, somado a uma série de situações, reforça o racismo, e este é uma das mais perversas ações de intolerância. Intolerância que freia, paralisa o avançar da democracia.
Neste caso, o retrocesso, a paralisia é inevitável, assim como igualmente são paralisantes o quebra-quebra, as virulências das palavras, as agressões às instituições, etc., etc. Até porque tais atitudes nada têm a ver com o viver democrático, muito menos com a liberdade de expressão. Enganam-se quem pensa ao contrário. É isto.
Lourembergue Alves é professor universitário e analista político. E-mail: lou.alves@uol.com.br.
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