• Cuiabá, 21 de Novembro - 00:00:00

Tráfico Humano: Disparidades Socioeconômicas e Desafios na Legislação Brasileira

O presente artigo evidencia a ascensão atual do tráfico humano, demonstrando que o comércio de pessoas ocorre desde inicio da história humana, especialmente, desde a época da escravidão, período no qual a comercialização de pessoas ocorria de forma natural e desenfreada.

Desse modo, será analisado brevemente o atual cenário das organizações criminosas e os fatores que motivam sua ocorrência. Esse artigo busca identificar as vítimas mais suscetíveis dessa abjeta prática e colocar em perspectiva os contornos referente a região, área, classe social e renda relacionados às vítimas do tráfico humano. Por fim, salienta a inadequação e falta de amparo presente nas leis internas de âmbito nacional e internacional.

ABSTRACT

This article highlights the current rise of human trafficking, however, it highlights that the trade in people has occurred since the beginning of history, since, since the time of slavery, it is common to observe the unrestrained commercialization of people. Therefore, the current scenario of criminal organizations and the factors that motivate their occurrence will be briefly analyzed. This article seeks to identify which victims are most susceptible and destigmatize prejudgment regarding region, area, social class and comprehensive income in victims of human trafficking. Furthermore, it highlights the inadequacy and lack of expertise present in domestic laws at national and international levels.

Keywords: Trafficking; Human trafficking; Criminal Persecution; Penal execution; Organized crime; Brazilian legislation.

I- INTRODUÇÃO

Inicialmente, A Organização das Nações Unidas (ONU), na Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional (Protocolo de Palermo - 2003), caracteriza tráfico de pessoas como transporte ou captura usando ameaça, coação, ou similares, visando a exploração, que inclui prostituição, trabalhos forçados, escravatura ou práticas análogas, a servidão ou a extração de órgãos.
É importante destacar que, no contexto criminal, o consentimento da vítima é totalmente irrelevante para a caracterização dessa nefasta prática.

Neste artigo, examinaremos as nuances e complexidades inerentes ao tráfico humano, compreendendo os tipos de exploração, aprofundando-nos nas estratégias de aliciamento que são utilizadas para atrair e capturar suas vítimas, abordaremos rotas mais utilizadas nesse contexto. Além disso, objetiva desmistificar o perfil da vítima e compreender as motivações e características dos aliciadores envolvidos, visando compreender as variáveis sociais, econômicas e culturais que contribuem para o tráfico humano.

Com o intuito de aprofundar nosso entendimento sobre o crime organizado, examinaremos a legislação brasileira vigente e as convenções internacionais que contribuíram para uma melhor compreensão desse fenômeno, sob uma perspectiva jurídica relacionada ao Direito Penal e, ainda, observaremos as implicações e nuances jurídicas que envolvem a aplicação das leis existentes no enfrentamento desse crime.

II- LEGISLAÇÃO VIGENTE

A princípio, é importante ressaltar que as iniciativas para coibir o tráfico ganharam força somente após a Convenção para a Supressão do Tráfico de Pessoas e da Exploração da Prostituição em 1949. No entanto, a convenção não trouxe clareza à definição do tráfico, restringindo-se à tipificação do crime de prostituição.

Em outubro de 2016, foi sancionada a lei n. 13.344, que aborda sobre o tráfico humano cometido no território nacional contra vítima brasileira ou estrangeira, e no exterior contra vítimas brasileiras, ressaltando a abordagem para enfrentar o tráfico de pessoas, englobando tanto a prevenção quanto à repressão do delito, bem como, a atenção às suas vítimas.

Segundo a ONU, o tráfico humano movimenta mais de 30 bilhões de dólares, consolidando-se, assim, como a terceira indústria mais rentável. Diante disso, com a crescente organização criminosa, houve a necessidade da criação de tratados e convenções com o propósito de promover uma cooperação internacional efetiva no combate a essa prática criminosa.

É nesse contexto que surge à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, também conhecido como protocolo de Palermo, ratificado pelo Brasil em 2004, pelo decreto n. 5.015, imbuído com o propósito de inaugurar uma séria de ações eficazes na prevenção e no combate ao tráfico, em especial de mulheres e crianças. Além disso, ofereceu respaldo legislativo para a punição dos traficantes e para proteger as vítimas.

Quando voltamos os olhos para o nosso ordenamento jurídico, encontramos a lei n. 12.850/2013, que estabelece definições e normativas relacionadas à organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal a ser aplicado.

Atualmente, o dispositivo que prevê o crime de trafico de pessoas é o artigo 149-A do Código Penal. Essa normativa representa um avanço significativo ao abranger não apenas a exploração sexual, mas também a remoção de órgãos, o trabalho em condições análogas à escravidão, assim como qualquer forma de servidão e adoção ilegal. A saber:

Art. 149-A. Agenciar, aliciar, recrutar, transportar, transferir, comprar, alojar ou acolher pessoa, mediante grave ameaça, violência, coação, fraude ou abuso, com a finalidade de:

I - remover-lhe órgãos, tecidos ou partes do corpo;

II - submetê-la a trabalho em condições análogas à de escravo;

III - submetê-la a qualquer tipo de servidão;

IV - adoção ilegal; ou

V - exploração sexual.

Diante do exposto, observa-se que ainda há uma considerável complexidade em definir e estabelecer legislações que contribuam efetivamente para o enfrentamento ao predito crime, sendo evidente que o de tráfico de pessoas é um crime que transcende fronteiras e continentes, tornando ineficaz a legislação nacional e internacional já existente.

III- CIRCUNSTÂNCIAS SOCIAIS. PERFIL DA VÍTIMA.

A situação na qual se encontra um indivíduo marginalizado, isto é, à margem da sociedade, é determinada por uma gama de fatores, as quais limitam e restringem o pleno conhecimento e exercício de seus direitos.

No contexto do tema abordado, existem diversos aspectos sociais que exercem influencia sobre a potencial vítima de tráfico, destacando-se elementos como classe social e vulnerabilidade.

Tendo em vista o presente desequilíbrio econômico mundial, a classe social é quase um fato determinante, visto que, segundo o WWP (World without Poverty), pobreza é todo aquele cujo nível de renda ou consumo per capita de sua família ou domicílio ficasse abaixo do mínimo essencial para suprir necessidades humanas básicas. De acordo com a mais recente pesquisa divulgada pelo IBGE, o Brasil conta com aproximadamente 67,8 milhões de pessoas vivendo em situação de pobreza, circunstância sintomática de uma situação de instabilidade social no país.

Esses dados, portanto, revelam uma realidade triste, porém inafastável: milhões de pessoas no Brasil estão em situação de pobreza e vivem em um indesejado estado de vulnerabilidade, circunstâncias que, indiscutivelmente, facilitam o surgimento de um indivíduo potencialmente criminoso, que, seduzidos pela perspectiva ilusória de uma vida melhor no futuro, inclinam-se à atividade criminosa, ignorando o riscos de aliciamento e captura.

No entanto, é importante ressaltar que vulnerabilidade e pobreza não são termos análogos, visto que, a vulnerabilidade pode se manifestar em diversos aspectos, como nos âmbitos sociais, econômicos ou educacionais e, embora inexista uma definição conceitual exata desse termo, o âmbito social lidera e induz as vítimas a consentirem com as diversas formas de exploração. Muitas vezes, as vítimas não se reconhecem como pessoas traficadas ou em situações análogas à escravidão, o que torna ainda mais desafiadora a atuação por parte do Estado.

Devido à vulnerabilidade, as vítimas muitas vezes não reconhecem sua condição, o que invalida o consentimento como fonte de argumento válido para justificar a prática. Assim, surge a extrema necessidade que o ordenamento jurídico tenha em seu arcabouço legislações competentes e detalhadas para abordar esse crime tão lucrativo. Desse modo, ao investigar e relatar o delito, é fundamental compreender as circunstancias sociais da vítima. Por exemplo, enquanto a prostituição voluntária de uma pessoa maior e capaz em seu país natal pode ser considerada válida, a mesma prática no exterior pode ser vista como vulnerável dada à ausência de outras opções viáveis.

Conforme pesquisa da UNODC, os perfis das vítimas são selecionados com base na natureza do trabalho que será realizado. Em 2018, a maioria das mulheres traficadas foram exploradas sexualmente, enquanto os homens estavam mais vinculados a atividades relacionadas ao trabalho forçado, análogo à escravidão. No entanto, ainda há uma porcentagem significativa de homens aliciados para exploração sexual e cerca de 14% das mulheres capturadas para trabalho forçado.

IV- ROTAS. ALICIAMENTO. PERFIL DOS CRIMINOSOS.

Segundo a Pesquisa sobre Tráfico de Mulheres, Crianças e Adolescentes para Fins de Exploração Sexual Comercial no Brasil (Pestraf), foi constatado que existem aproximadamente 341 rotas utilizadas pelo tráfico, que são construídas e pensadas estrategicamente para serem dissolvidas com facilidade, revelando a complexidade e adaptabilidade das redes envolvidas nessa atividade criminosa.

Geralmente, as rotas de tráfico de vítimas têm origem no interior e dirigem-se aos grandes centros urbanos, com destino final nas fronteiras internacionais. Entre os países com destaque como facilitadores dessas rotas, a Espanha lidera o índice, seguida por Portugal, Itália, Suíça e Suriname, evidenciando a extensão internacional do problema do tráfico humano e a necessidade de esforços coordenados em escala global para combatê-lo.

Quanto aos aliciadores, não existe um perfil característico exato, prevalecendo somente a motivação financeira impulsionada pelos recrutadores. Normalmente, os aliciadores são pessoas confiáveis, de acordo com as informações do Relatório Nacional sobre o Tráfico de Pessoas, aproximadamente 37% das vítimas de tráfico atendidas por Postos e Núcleos em 2020 mantinham um nível significativo de confiança nos aliciadores antes de serem recrutadas. Em situações como essas, os traficantes frequentemente exploram antecedentes familiares difíceis, buscando criar um senso de pertencimento na vítima.

Segundo o relatório global sobre tráfico de pessoas divulgado pelo UNODC em 2020, a maioria das pessoas investigadas, presas ou condenadas são homens maiores de idade. Além disso, constatou-se que a maioria dos traficantes condenados em 2018 eram cidadãos do país onde foram julgados.

As formas de aliciamento normalmente visam o tráfico com fito de exploração sexual e as estratégias de captura envolvem a divulgação de anúncios, utilizando-se da expectativa de empregos bem remunerados. Nesses casos, as mulheres frequentemente são coagidas a enviar imagens explicítas e, posteriormente, são ameaçadas até serem informadas que foram recrutadas para exploração sexual. Vale ressaltar que a tecnologia e a publicação de anuncios também desempenham um papel crucial ao atrair potenciais clientes que desconhecem a origem das envolvidas.

V- MODALIDADES DO TRÁFICO

O relatório global sobre tráfico de pessoas, disponibilizado pelo UNODC em 2020, evidencia que a exploração sexual é a finalidade mais rentável para os criminosos, totalizando cerca de 50% vítimas em sua pesquisa mais recente. Ainda, a pesquisa ressalta que a maioria dos casos de tráfico dentro de países de alta renda está relacionada à exploração sexual de garotas.

Em pesquisa mais recente, constata-se que o trabalho forçado representa 38% das formas de exploração, sendo a segunda atividade mais visada por organizações criminosas. Este cenário abrange vítimas marginalizadas e imigrantes sem documentação, isto é, indivíduos vulneráveis que buscam oportunidades de trabalho. Entre essas formas de exploração, está à servidão doméstica, pesca marítima, agricultura e mineração, ou seja, setores econômicos em que o trabalho é realizado em circunstâncias isoladas são mais propensos ao tráfico para trabalho forçado do que outros.

Embora em quantidades reduzidas, também foram detectadas vitimas para casamento forçado, tráfico para atividade criminosa (que variam desde furtos até o tráfico ou cultivo de drogas) e o tráfico para remoção de orgãos.

VI- CONCLUSÃO

Portanto, conclui-se que, o tráfico humano representa uma organização criminosa lucrativa e envolta em obscuridade perante o Estado, visto que, muitas vezes, nem a própria vitima compreende ser alvo desta prática, dificultando mais ainda as ações de enfrentamento do governo.

Ainda, são notados que as principais modalidades do tráfico de pessoas englobam a exploração sexual, o trabalho forçado, escravidão ou similares, e a extração irregular de órgãos, tendo como potenciais vítimas cidadãos a margem da sociedade, pertencentes a classes sociais mais baixas e em situações de vulnerabilidade social.

Além disso, observa-se um padrão nos perfis das vítimas, que quando são de baixa renda são exploradas para o trabalho forçado, enquanto vítimas de países com rendimento elevado são traficadas com a finalidade sexual. Acerca do perfil dos aliciadores, é notável que transmitam confiança e exploram antecedentes familiares difíceis, criando um senso de pertencimento na vítima.

Diante do exposto, observamos que, apesar da presença de legislação em vigor, a definição e as estratégias para enfrentar o tráfico humano ainda são permeadas de adversidades e obstáculos significativos, destacando a urgência de uma abordagem mais abrangente e eficaz no combate ao crime.

Larissa Gouveia Nunes é estudante de Direito.    

 

REFERÊNCIAS

BRASIL. Decreto n. 5.017 de 12 de março de 2004. Promulga o Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças.

Lei n. 13.344 de 06 de outubro de 2016. Dispõe sobre prevenção e repressão ao tráfico interno e internacional de pessoas e sobre medidas de atenção às vítimas; altera a Lei no 6.815, de 19 de agosto de 1980, o Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal), e o Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal); e revoga dispositivos do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal).

LEI Nº 12.850, DE 2 DE AGOSTO DE 2013. Define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal; altera o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal); revoga a Lei nº 9.034, de 3 de maio de 1995; e dá outras providências.

Artigo 149A do Decreto Lei nº 2.848 de 07 de Dezembro de 1940.

CNN. Cerca de 37% das vítimas de tráfico de pessoas confiavam no aliciador. 30/07/2021 Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/cerca-de-37-das-vitimas-de-trafico-de-pessoas-confiavam-no-aliciador/

UNODC. Global Report on Trafficking in Persons 2020. Disponível em: https://www.unodc.org/documents/dataandanalysis/tip/2021/GLOTiP_2020_15jan_web.pdf

DPU. Campanha alerta turistas e moradores de SC sobre o tráfico de pessoas. Disponível em: https://direitoshumanos.dpu.def.br/quarto-post-noticias-categoriagtassistenciaeprotecaoavitimadetraficodepessoas/.

WWP. O QUE É POBREZA?. Disponível em: https://wwp.org.br/o-que-e-pobreza/

PESTRAF. Pesquisa sobre Tráfico de Mulheres, Crianças e Adolescentes para Fins de Exploração Sexual Comercial no Brasil. Disponível em: https://www.gov.br/mj/pt-br/assuntos/sua-protecao/trafico-de-pessoas/publicacoes/pesquisas-regionais/2003pestraf.pdf



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