• Cuiabá, 21 de Novembro - 00:00:00

Nada Perdeu sentido

O idioma pátrio jamais fora algo estático, parado, sem movimento. Fora e é muito dinâmico. Até mesmo em razão da própria sociedade, cuja movimentação influencia bastante a sua língua-mãe. Cotidianamente identificado e analisado pela sociolinguística – responsável por estudos da relação entre esta e aquele.

Estudos e análises que confirmam e reafirmam o dinamismo do idioma, da língua. O do Brasil não foge a esta regra. E não carece ser um estudioso em fonética, nem especialista em sociolinguística, tampouco um William Labov (um dos grandes nomes da sociolinguística) para saber de tudo isso. Pois é notória que o português – idioma, língua pátria – vive em permanente evolução através de mudanças, influências políticas, sociais, religiosas, tecnológicas, ambientais e linguísticas. Aliás, mesmo aquele que esteve e está longe da escola percebe claramente que o país sofre influências e recebe empréstimos de vários idiomas. Não é de hoje, os galicismos, os anglicismos e, enfim, os estrangeirismos. Faz-se presente, e como, o processo de aportuguesamento.

Isso tudo, porém, não dá o direito de alguém se descuidar dos conceitos dos vocábulos, seus significados, das constituições das frases, ainda que estas e aqueles venham a ser utilizados para atacar o adversário, ou a quem se encontra em lado oposto em uma dada discussão ou tenha posição diferenciada. Mas, infelizmente, virou praxe à quebra das regras, das normas, e, por conta disso, o ignorar os sentidos dos termos, dos vocábulos. Veja (e) leitor (a), o uso exagerado e desconectado da expressão: “fulano é de esquerda”, “esquerdopata” e “comunista”, sempre ao se referir a alguém que ousa criticar ações do governo, apontar seus erros e discordar de suas atitudes.

Quaisquer pessoas. Tanto que o ministro do STF, Alexandre de Moraes, foi taxado desse modo ao proferir uma decisão que barrou uma nomeação do presidente, pois impediu a posse de Alexandre Ramagem como diretor-geral da Polícia Federal. Pecha que igualmente alcançou o Luiz Henrique Mandetta, demitido do Ministro da Saúde, por divergências com o chefe do Executivo federal. Dias depois, foi à vez do ex-ministro da Justiça e da segurança Pública, Sérgio Moro, ser batizado de “esquerdista”, só porque fizera graves denúncias ao seu ex-chefe, Jair Bolsonaro. Situação, no mínimo, vexatória, cômica, ou, melhor, tragicômica. Pois os que chamam um ou outro de “esquerdopata”, de “esquerdista”, de “comunista”, o fazem sem cuidado algum.

Talvez, por ignorância, ou, quem sabe, por lhe faltarem argumentos suficientes para contrapor as posições tomadas por outrem, as quais lhes são adversas. Valem-se dessas pechas (acusações) para esconderem suas próprias incapacidades, inabilidades, e os fazem sempre com o fim de tentarem desqualificar quem, na verdade, estão melhores qualificados para o debate, a discussão.

Isto, aliás, não é novo na história da humanidade. Salazar e seus apoiadores, em Portugal, atacavam quem se aventurou a sair contra a sua ditadura. Igualmente se viu com Franco na Espanha, Mussolini na Itália, com Hitler na Alemanha, militares na Argentina e com a ditadura militar no Brasil.

As prisões nestes países ficaram lotadas também por pessoas que se diziam ou tidas como de esquerda e comunista, assim como as URSS também se encheram de gente da “direita”, ainda que estivesse longe de sê-los. Seus acusadores, tanto os do passado como os do presente, se mostram intolerantes com os diferentes e as diferenças, além de demonstrarem total desconhecimento dos conceitos das palavras, dos vocábulos. Ignorância completa.

Certamente, neste particular, a educação escolarizada tenha pecado, e muito, pois não soube, durante tanto tempo, mostrar que “esquerda”, “comunista” e “esquerdopata” têm significados diferentes, e, o pior, o posicionar-se politicamente e ideologicamente está a anos-luz de distante de ser um crime, criminoso, como “venderam” as ditaduras pelo mundo. Qualquer pessoa tem o direito de fazer ou não suas escolhas política e ideológica, e não cabe a ninguém, nem a governo algum proibi-las de fazê-los. Afinal, a pluralidade e a liberdade são, ao mesmo tempo, argamassa e os tijolinhos na construção do Estado democrático, o qual não perdeu sentido com a mobilidade da língua, do idioma-pátrio. É isto.

 

Lourembergue Alves é professor universitário e analista político. E-mail: lou.alves@uol.com.br.   



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