• Cuiabá, 21 de Novembro - 00:00:00

A Intersecção entre Fashion Law e o Direito de Propriedade Intelectual: Salvaguarda e Complexidades

Desde os primórdios, a moda tem desempenhado um papel de extrema relevância na sociedade, vinculando o estilo a uma forma de expressão intimamente associada à liberdade, criatividade e à construção da própria identidade. Entende-se como uma manifestação artística que reflete a evolução cultural, social e individual.

Este artigo busca enfatizar a perspectiva de que a moda transcende o âmbito do vestuário, abrangendo uma série de elementos visuais e comportamentais que facultam definição e contexto aos seus adeptos dentro de um meio social.

Abstract

From the very beginning, fashion has played an extremely significant role in society, linking style to a form of expression intimately associated with freedom, creativity, and the construction of one's own identity. It is understood as an artistic manifestation that reflects cultural, social, and individual evolution.

This article seeks to emphasize the perspective that fashion transcends the realm of clothing, encompassing a range of visual and behavioral elements that provide definition and context to its adherents within a social milieu.

I. INTRODUÇÃO

A moda se manifesta em todas as suas complexas camadas e nuances sociais, fazendo parte da vida de cada indivíduo. Ela conduz, principalmente, reflexões sobre autoimagem e subjetividade, antes mesmo de qualquer análise crítica. A moda se estabelece como uma linguagem pessoal e intimamente ligada à nossa identidade, influenciando diretamente a forma de expressão e posicionamento diante da sociedade, indo além do vestuário e tornando-se um reflexo profundo de quem somos e de como desejamos ser percebidos.

 

II. A Evolução da Moda: Uma Perspectiva Histórica

Como base teórica, esse artigo adota concepções apresentadas pelo filósofo francês Gilles Lipovetsky em sua obra "O Império do Efêmero: A Moda e seu Destino nas Sociedades Modernas", lançada em 1989.

Nesse viés, Lipovetsky sustentava a ideia de que a moda possui um ponto de partida historicamente rastreável. Essa perspectiva fundamenta-se no consenso de que a moda teve sua origem na Europa, no final da Idade Média, início da Idade Moderna e no período renascentista.

Inicialmente, as vestimentas eram confeccionadas a partir de peles de animais, destinadas a proteção contra o frio. Por outro lado, no Egito antigo, a vestimenta estava diretamente ligada ao poder e identidade hierárquica da época.

Por séculos, as vestimentas eram estritamente limitadas pela hierarquia das camadas sociais, com cada classe utilizando trajes distintos que eram estritamente diferenciados.

Entretanto, com o início da Idade Moderna, o desenvolvimento do comércio e a acumulação de riquezas da burguesia desencadeou uma rivalidade entre a classe emergente e a burguesia, transformando o cenário fashion. Esse período marcou o início de uma evolução considerável na relação entre moda, classe social e identidade, estabelecendo e criando conceitos para o que hoje caracterizamos a moda.

A título de exemplo temos o Rei Luís XV, cuja influência na história da moda é relevante, pois, introduziu sua vestimenta para enfatizar a superioridade francesa, tornando-se um ícone de fineza na moda francesa.

 

III. O Impacto do Direito à Propriedade Intelectual na Moda

Fundada em 1967, a Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI) desempenha um papel crucial na sociedade ao buscar proteger os direitos e deveres ligados à propriedade intelectual em escala internacional. Além disso, a OMPI viabiliza a atividade intelectual, principalmente em relação à propriedade industrial, nos países em ascensão.

A OMPI estabelece uma definição de Propriedade Intelectual, envolvendo uma série de direitos a invenções em todas as áreas da atividade humana criativa, descobertas científicas, desenhos e marcas industriais, comerciais e de serviço. Ademais, engloba a proteção contra práticas de concorrência desleal, as quais se manifestam quando uma empresa utiliza-se de recursos fraudulentos e/ou desonestos que entram em contradição com os bons costumes, com o intuito de prejudicar seus concorrentes.

Antes dessa definição, "Propriedade intelectual" era aplicada de forma restringida aos direitos autorais. Entretanto, com a evolução das inovações, foi analisada a necessidade de direitos que garantissem criações intelectuais na sociedade moderna, oferecendo mais segurança e garantia aos seus criadores.

No âmbito jurídico, mantém-se uma controvérsia em relação aos designers e suas criações, uma vez que, ainda há uma linha tênue entre inspiração legítima e cópias intencionais. Nesse contexto, a reprodução dos artistas ainda é, de certa forma, tolerada e esse tema permanece um tema controverso e em debate.

É relevante destacar que a propriedade intelectual se subdivide em três categorias distintas, vejamos.

Direitos autorais: regulamentados pela Lei nº 9.610/98 (Lei dos Direitos Autorais – LDA), a lei visa proteger obras literárias, artísticas e científicas, visto que, o registro dos direitos autorais não é obrigatório, porém exerce um papel fundamental na comprovação autoral.

Propriedade Industrial: termo criado a fim de proteger invenções e outras inovações com aplicação prática na indústria, garantindo um direito econômico exclusivo.

Proteção Sui Generis: Incluem registros topográficos, acesso ao patrimônio genético e conhecimentos tradicionais, cada um regulamentado por legislação específica.

Ademais, insta salientar que a Lei nº 9.279, criada em 1996, desempenha um papel fundamental na regulamentação dos direitos e obrigações relacionados à propriedade industrial, estabelecendo bases legais para proteção de inovações relacionadas à propriedade intelectual. Além disso, a lei supramencionada permitiu a ampliação e expansão dos objetos tutelados, abrangendo a proteção autoral aos bens que não estão mencionados em seus artigos.

 

IV. A imaterialidade das criações autorais

Abordado e interligado com o direito civil, bens são quaisquer elementos materiais ou imateriais que proporcionem utilidade. Nesse sentido, a propriedade intelectual refere-se aos bens imateriais, no entanto, a grande questão debatida pelos juristas quando se trata de propriedade intelectual é determinar a origem das invenções, visto que existe um abismo de diferença entre inspiração e cópia.

Dessa maneira, a Propriedade Intelectual apoia-se exclusivamente a um objeto imaterial que se transforma em uma fonte de renda economicamente rentável e sua imaterialidade deve-se a sua existência conceitual e subjetiva, com isso o objeto torna-se econômico e passível de ser considerado propriedade.

 

V. Perspectiva jurídica acerca dos crimes contra propriedade intelectual no contexto da moda.

            No Código Penal Brasileiro, verificamos que os delitos relacionados à propriedade intelectual são detalhados nos artigos 184 e 186. Estes, estabelecem crimes associados à violação de direitos autorais, sendo fundamental na garantia e proteção dos criadores.

Os artigos preditos tratam da violação de direitos autorais estabelecendo como delito inerente à detenção ou multa todo aquele que obter lucro direto ou indireto por meio da reprodução, de forma integral ou parcial, sem a devida autorização do criador.

            Segundo Hans Kelsen, o Direito é uma ordem de conduta humana, ou seja, é um conjunto de normas que foram criadas pela necessidade humana de viver pacificamente em sociedade. 

No âmbito jurídico, o Direito da Moda não se trata de um ramo do direito, mas sim de uma área de atuação especifica desenvolvida exclusivamente pela necessidade observada ao decorrer dos séculos.

Criadas com o propósito de estabelecer distinções entre as classes, as leis suntuárias visavam ditar padrões de consumo, separando cores, estilos e até adereços externos, distinguindo os diferentes papeis sociais existentes na época. Para compreendermos melhor a situação, seria como se atualmente fosse adicionada à Constituição Federal uma lei que impedisse os desafortunados de adquirir artigos de luxo.

 

VI. Situações fáticas

            Nos últimos anos, o caso que ampliou a visibilidade do Fashion Law envolveu uma disputa entre o designer Christian Louboutin e a marca Yves Saint Laurent (YSL).

A controvérsia surgiu quando Louboutin questionou a marca francesa pelo uso do solado vermelho em seus saltos, marca do designer desde 1992 e registrada formalmente desde 2008. Ocorre que, em 2011, YSL lançou em sua vasta coleção saltos que também continham o solado vermelho, instigando a indignação de seu criador, que entrou com uma ação judicial nos tribunais de Nova Iorque por violação de marca.

No entanto, Louboutin perdeu a ação na primeira instância, na qual o juízo julgou improcedente o seu pedido. Revoltado com a perda, o designer recorreu ao juízo de segunda instância, que foi deferido e a YSL foi autorizada apenas a vender sapatos monocromáticos na cor vermelha.

No ordenamento jurídico pátrio, o plágio é tipificado como crime. Veja-se.

"Art. 184. Violar direitos de autor e os que lhe são conexos:

Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa.

§ 1o Se a violação consistir em reprodução total ou parcial, com intuito de lucro direto ou indireto, por qualquer meio ou processo, de obra intelectual, interpretação, execução ou fonograma, sem autorização expressa do autor, do artista intérprete ou executante, do produtor, conforme o caso, ou de quem os represente:

 

Como falado anteriormente, a linha tênue entre inspiração e plágio é majoritariamente sutil. No entanto, vê-se a todo instante nas vitrines de fast fashions peças reproduzidas e inspiradas por grifes vendidas por um valor ínfimo comparado aos protótipos originais, costume que levanta questões pertinentes sobre a propriedade intelectual, os direitos autorais e a ética.

 

VII. Conclusão

            Contatou-se, portanto, que a moda está presente desde o inicio dos séculos intrinsecamente ligada ao homem e sua identidade. Desde os faraós até a alta burguesia e a nobreza, o estilo estava associado a classe social e sua autoridade hierárquica mediante a sociedade, sendo assim, foi analisado uma clara necessidade de impor limites e assegurar direitos inerentes a propriedade intelectual que remete as criações e inovações, sendo um notável parâmetro de como o direito é refletido pelas necessidades atuais para um melhor desenvolvimento e harmonia da sociedade.

            O direito à Propriedade Intelectual refere-se, portanto, a uma série de normas e jurisdições criadas a fim de assegurar o direito de seus criadores e viabilizar sua inovação de forma mais assertiva, tornando a sociedade mais igualitária e justa.

            No entanto, ainda que a OMPI defina a propriedade intelectual como uma proteção aos bens imateriais, faz-se necessário a materialização dos produto e/ou serviços prestados a sociedade, para que esse direito seja amplamente assegurado pelas leis que visam a proteção e garantias desses tais direitos.

            Pelo exposto, vê-se a imprescindibilidade de expor a temática tratada visando que o máximo de cidadãos conheçam e postulem seus direitos, visto que, a tese apresentada está em constante e elevada ascensão no mundo.

 

Larissa Gouveia Nunes é estudante de Direito.    

       

REFERÊNCIAS

            LIPOVETSKY, Gilles. O império do efêmero: A moda e seu destino nas sociedades modernas. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.

OSMAN, Bruna Homem de Souza. Fashion Law: desconstrução do direito da moda no Brasil. 2017. Dissertação (Mestrado em Direito Público e Econômico) – Universidade Presbiteriana Mackenzie, 2017.

MARISTELA, Basso. O Direito Internacional da Propriedade Intelectual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000.

KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 6ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

            EQUIPE TOTVS. Propriedade Intelectual: o que é, tipos e o que diz a lei

TOVS, 2023.

            Lei n. 9.279, DE 14 DE MAIO DE 1996, regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial, Brasília – DF, presidência da república.



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