Neste mesmo espaço, escrevi anos atrás que toda vez que o dragão, apelido dado à China, espirrasse, a economia mundial poderia sofrer uma pneumonia.
A crise causada pelo tal Coronavírus fez o dragão espirrar neste início de ano. Nas últimas semanas, a economia global luta galhardamente para evitar que o espirro se transforme em pneumonia e contamine negativamente o crescimento mundial.
O curioso, se não fosse trágico, é que o turbilhão surge justamente no momento em que o mundo respira mais aliviado, comemorando o acordo firmado por Estados Unidos e China após o tenso período da fratricida guerra comercial entre os dois países.
A integração e a interdependência dos mercados e das cadeias de suprimentos impostas pela globalização fazem com que a epidemia surgida numa longínqua província da segunda maior economia do mundo paralise fábricas, circulação de pessoas e mercadorias no mundo inteiro, aumentando freneticamente a volatilidade dos principais mercados financeiros do planeta. O ineditismo da doença não permite comparativos com outras situações para diagnosticar o tempo que se levará para controlar a doença. Por consequência, os mercados não estão conseguindo “precificar” o estrago na produção e consumo chineses e o impacto disso na redução do crescimento do seu PIB, previsto, inicialmente, acima de 6% em 2020. As primeiras revisões de expectativa de crescimento da economia chinesa já sinalizam que o PIB chinês crescerá abaixo desse patamar inicial, aproximando-se de 5,5%.
A China é grande fornecedora mundial de componentes para a indústria de tecnologia, comunicação, autopeças para os maiores fabricantes de automóveis. A restrição de circulação de pessoas e mercadorias está afetando a produção de fábricas de países europeus, mercado asiático (Coréia do Sul e Japão), Estados Unidos, Canadá e américa latina. Ao mesmo tempo, como grande consumidora de bens e serviços, o foco no combate à epidemia leva o país a reduzir fortemente suas importações, impactando, por sua vez, a produção dos países exportadores.
A retração da economia chinesa afetará, certamente, a economia brasileira. Resta dimensionar o tamanho desse impacto. A China é a maior compradora das três maiores commodities que o país exporta: minério de ferro, petróleo cru e soja. A retração de consumo desses produtos, forçado pelo cenário caótico do país, forçou revisões das previsões de crescimento da atividade econômica do Brasil no primeiro semestre.
O anúncio de hoje, 05, feito pelo Banco Central de mais uma redução da taxa básica de juros (Selic) para 4,25%, pode ter a interpretada que a autoridade monetária reconhece a lentidão da retomada do crescimento de nossa economia e seu possível agravamento pelas incertezas ocasionadas com a contração da economia chinesa.
Os reflexos na economia de Mato Grosso são inevitáveis. Nos tornamos muito dependentes da longa cadeia produtiva do agronegócio. Esta, por sua vez, ficou altamente dependente das exportações para o mercado chinês. Aquele país compra o maior volume dos nossos principais produtos de exportação: soja, milho, carnes bovina, suína e de frangos. Não sem razão, todas as atenções, mentes e corações de Mato Grosso monitoram, em tempo real, a solução que as autoridades chinesas encontrarão para um problema grave de saúde pública que pode se transformar em gravíssimo problema para a economia estadual.
A expectativa dos agentes do mercado e dos líderes políticos mundiais e locais é conhecer o tempo até a solução do problema. Uma espécie de “fim de linha” já foi demarcada: última semana de fevereiro. Se até lá o problema não estiver satisfatoriamente equacionado, é muito provável que o espirro vire pneumonia e o tratamento deverá ser outro, mais forte e profundo do que o ministrado até agora.
Vivaldo Lopes é economista formado pela UFMT, onde lecionou na Faculdade de Economia. É pós-graduado em MBA- Gestão Financeira Empresarial pela FIA/USP. E-mail: vivaldo@uol.com.br
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