Rui Barbosa era conhecido pelo uso erudito da língua culta, no falar e no escrever (certamente, um dos maiores conhecedores da língua portuguesa no Brasil).
Alguns o acusavam, contudo, de empregar linguagem excessivamente erudita, não acessível pelo cidadão comum. O anedotário popular de sua época, captando a distância entre o falar de Rui e o do povo, criou um encontro imaginário entre ele e um ladrão, que havia pulado o muro de sua casa para roubar alguns de seus patos:
– Rui: “Oh, bucéfalo anácrono! Não o interpelo pelo valor intrínseco dos bípedes palmípedes, mas sim pelo ato vil e sorrateiro de profanares o recôndito da minha habitação, levando meus ovíparos à sorrelfa e à socapa. Se fazes isso por necessidade, transijo; mas se é para zombares da minha elevada prosopopéia de cidadão digno e honrado, dar-te-ei com minha bengala fosfórica bem no alto da tua sinagoga, e o farei com tal ímpeto que te reduzirei à quinquagésima potência que o vulgo denomina nada.”
E o ladrão, confuso, replica – "Dotô, eu levo ou deixo os pato?"
A administração pública em geral, e o Poder Judiciário em especial, fazem uso (em tese...) da língua culta, caracterizada pela precisão vocabular, clareza, correção gramatical e respeito às regras ortográficas e sintáticas. Esta, contudo, JAMAIS deve ser confundida com linguagem empolada, que muito mais confunde do que esclarece, como no referido exemplo jocoso.
O Brasil está em falta com o povo também no quesito comunicação. E é por isso que, em muito boa hora, a Lei n.º 15.263, de 14 de novembro de 2025, instituiu a Política Nacional de Linguagem Simples, que obriga a administração pública (no sentido mais amplo, nos Três Poderes), em todos os entes federativos, a se comunicar com a população de forma clara, direta e compreensível. O objetivo da lei é altamente louvável e deve ser celebrado. A sua implementação, todavia, enfrentará naturais desafios.
Isso porque o Estado brasileiro foi criado à imagem e semelhança da matriz bacharelesca e formalista portuguesa. A comunicação adotada pelos órgãos de estado, especialmente nos ambientes jurídicos e administrativos, tem sido pautada (em tese…) pela língua culta e por excessivo formalismo, acessível por uma pequena parcela da população.
Quando o povo não é capaz de entender e usar as informações publicadas pelos órgãos e entidades da administração pública, algo elementar se rompe. Ele desconhece seus direitos e obrigações, não participa das discussões públicas relevantes, não fiscaliza, não exerce a cidadania.
A nova lei impõe aos Poderes de cada ente federativo definir diretrizes complementares e formas de operacionalização para o seu cumprimento. Será um enorme desafio romper tradições seculares e velhos hábitos. Ainda assim, a lei estabelece um novo caminho. Os resultados virão, uns mais lentos do que outros – mas virão.
Não é algo trivial. Não é automático. Mas é fundamental, inclusivo e potencialmente revolucionário.
Leonardo de Campos Melo é advogado especialista em contencioso judicial e administrativo estratégico e em arbitragem, e Sócio-fundador do escritório LDCM Advogados - leonardo@ldcm.com.br


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