• Cuiabá, 21 de Novembro - 00:00:00

De vulto

Melhor e mais justa que o julgamento popular é a sentença ditada pelo tempo, não importa quanto demore pra ser proferida. Hoje, em Mato Grosso, transferência da capital é assunto superado. Porém, no final dos anos 1930 era o assunto mais palpitante em Cuiabá e Campo Grande, por conta da vontade do povo sul-mato-grossense.

Bela, sonhando em ser capital, Campo Grande contrastava com a pequena Cuiabá, que mesmo rica em civismo, mesmo com lastro cultural, era pequena, ribeirinha. Getúlio Vargas recebia enxurradas de pedidos para realizar o sonho dos sul-mato-grossenses. Filinto Müller era influente junto ao presidente e entrou em cena.

Sem alardes, Filinto costurou com Vargas um pacote administrativo para estruturar Cuiabá. Ganhamos a pavimentação em concreto rígido de parte da Getúlio Vargas, Residência Oficial dos Governadores, Grande Hotel, Liceu Cuiabano, Palácio da Justiça, Hotel Águas Quentes, Cine Teatro Cuiabá, Centro de Saúde do Estado e outras obras.

Em 6 de agosto de 1941 o presidente desembarcou em Cuiabá. Seu pouso inaugurou o aeroporto local, incluído ao pacote de Filinto e executado pelo interventor Júlio Müller, seu irmão.

Ouço figuras que nunca bateram um prego n’água criticando o ‘nazista’ Filinto, o discreto benfeitor de Cuiabá, que sequer estava na comitiva de Vargas, para que Júlio brilhasse. O grande Filinto foi homem público fantástico, hábil político e excelente irmão.

Transcorridos 77 anos do pacote de Filinto Cuiabá entra em ritmo comemorativo para os 300 anos de sua fundação pelo bandeirante paulista Pascoal Moreira Cabral. Vejo nomes e mais nomes serem citados na condição de grandes figuras cuiabanas, mas sobre Filinto reina silêncio sepulcral.

Num acidente aéreo em Paris, Filinto nos deixou em 11 de julho de 1973, mas muitos insistem em mantê-lo sob julgamento pela extradição para a Alemanha da judia comunista Olga Benário, grávida, e que foi executada pelos nazistas. A paciência histórica se encarrega dia após dia a provar que a autorização para deportar foi do Supremo Tribunal Federal. Olga era mulher de Luís Carlos Prestes, que à frente da coluna batizada com seu sobrenome protagonizou um banho de sangue em Barra do Bugres, episódio perpetuado por um memorial à margem do rio Paraguai, naquela cidade.

Na curva do tempo, o nome de Filinto haverá se surgir no azul infinito do céu no centro do continente, com o brilho de seu feito por Cuiabá.

Ao se preparar para o tricentenário em 8 de abril do próximo ano Cuiabá tem que fazer de Filinto marco humano de seu desenvolvimento. Tem que se antecipar ao julgamento em que a história o reconhecerá, rasgar o véu da hipocrisia ideológica interesseira numa mea culpa pelo silêncio de sua classe política sobre seu maior vulto, proferindo um justo veredito histórico antecipado sobre ele.

 

Eduardo Gomes de Andrade é jornalista

eduardogomes.ega@gmail.com



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