Em dezembro de 2000 Valdon Varjão travava disputa judicial com uma ex-funcionária de seu Cartório do Primeiro Ofício em Barra do Garças, para assegurar a titularidade do mesmo. Meu pai, Agenor Vieira de Andrade, foi cartorário em Alpercata no Vale do Rio Doce, em Minas. No convívio com ele aprendi a admirar os tabeliães e escrivães.
Minha identificação com cartório e a admiração que tinha por Varjão, por sua iluminada mente de escritor e o amor que demonstrava por sua Barra adotiva me empurraram ao texto de um artigo em sua defesa que publiquei no Diário de Cuiabá na virada de 2000 para 2001. Agradecido Varjão me ligou. Disse-lhe em estava com a maleta pronta para ir ao Araguaia. Combinamos de nos encontrar na Barra para dois dedos de prosa.
Não nos conhecíamos. Varjão demonstrou gratidão pelo artigo. Disse estava muito debilitado. Citei trechos de alguns de seus livros que tão bem retratam a realidade das nossas grupiaras no Araguaia, mas deixei claro que meu posicionamento no texto opinativo estava atrelado a sua profissão que o fazia colega de meu saudoso pai.
Nossa conversa não foi muito demorada, mas o suficiente para reforçar minha admiração por ele, que foi vereador e prefeito de sua cidade, deputado estadual, primeiro senador negro do Brasil, escritor membro da Academia Mato-grossense de Letras e da Academia Maçônica de Letras de Mato Grosso, e pai do Discoporto da Barra – grande jogada de marketing pelo fortalecimento do turismo.
Na despedida perguntei se ele gostaria que fosse acrescentado algo mais em sua biografia. Sorridente, disse que não tinha pressa para ser biografado e que as citações sobre sua trajetória que começou com seu nascimento na cearense Cariús eram suficientes. No aperto de mãos o elogiei pela autoria da lei aprovada pelo Senado que proíbe a venda ou anúncio de venda de tecidos e órgãos do corpo humano. Franzindo a testa me disse que em política às vezes também se consegue alguma vitória longe do crivo popular e emendou: pedi ao Garcia (José Garcia Neto, governador de 1975/78) que passasse a sancionar em 13 de maio as leis criando os municípios, para reforçar a memória coletiva sobre o fim da escravatura. Garcia o ouviu ao emancipar Pedra Preta e Tangará da Serra. Sua voz ecoou por sucessivos governos na emancipação de Sorriso, Marcelândia, Nova Olímpia, Indiavaí, Porto Alegre do Norte, São Félix do Araguaia, Campinápolis, Cocalinho, Primavera do Leste, Reserva do Cabaçal, Novo Horizonte do Norte, Peixoto de Azevedo, Comodoro, Porto Esperidião, Vila Rica, Terra Nova do Norte, Novo São Joaquim, Alto Taquari, Itaúba, Nova Canaã do Norte e Vera.
Em 3 de fevereiro de 2008 Valdon nos deixou. Além de exemplos espalhou em vários municípios uma data para servir de reflexão nesta abençoada terra onde o colonialismo inconsciente teima na falsa generosidade sobre “preto de alma branca”.
Eduardo Gomes de Andrade é jornalista
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