Os contribuintes que não estão em dia com suas obrigações fiscais devem se preparar para um 2018 extremamente turbulento, com prováveis batalhas jurídicas. Isto porque, encerrados os programas especiais de parcelamentos federal, estadual e municipal, é previsível que a Receita, PGFN, SEFAZ, PGE, SEFIN e PGM usem todas as suas armas para arrecadar cada centavo pendente em seus registros. E tal fato merece especial atenção pois a política arrecadatória das Fazendas Públicas não vem segregando o simples devedor transitório de tributos do sonegador contumaz, colocando-os em posição de igualdade quando o assunto é cobrança de impostos e contribuições, seja na esfera administrativa, seja na esfera judicial.
A posição adotada pelos fiscos é absolutamente preocupante pois desconsidera a premissa que “arrecadar” não é “aniquilar a existência daqueles que estão devendo transitoriamente”. Digo isso pois a boa técnica de cobrança fiscal diz que arrecadar é cobrar licitamente os tributos devidos pelos meios legais existentes, de forma inteligente, articulada, estratégica, viabilizando o ingresso dos recursos públicos sem que seja exterminada a fonte geradora dos mesmos, garantindo não só a receita presente mas principalmente a futura.
E neste ponto, a generalização de situações que hoje vemos e o pensamento estanque de curto prazo como forma imediatista de se pensar na arrecadação pode acarretar problemas sérios no médio e longo prazo, notadamente, se empresas deixarem o Estado ou ainda, se pequenos negócios (grandes empregadores) tiverem que fechar suas portas por incapacidade momentânea de arcar com as exigências tributárias sempre majoradas com pesadas multas.
Em suma, a cobrança por mais efetiva que tenha que ser, deve estar fixada em uma política específica de arrecadação de modo a não matar as galinhas dos ovos de ouro, mantendo no mercado as raposas. Vale destacar o grande arsenal que dispõe o fisco para cobrar seus tributos.
O protesto da certidão de dívida ativa, por exemplo, foi considerado legal pelo STF e vem sendo utilizado impiedosamente. Os processos de execução viabilizam a penhora de dinheiro em conta bancária, a penhora de veículos, imóveis, ações, créditos e outros. Pode ainda o fisco buscar situações de fraude à execução anulando transações com um simples despacho judicial, pode desconstituir operações por meio de ação pauliana quando verificar fraude a credores, pode negar a emissão de certidões de regularidade fiscal inviabilizando a participação em licitações e ainda, o recebimento de verbas públicas e incentivos fiscais. Com rotina ainda, vemos demandas contra sócios administradores que extrapolem a lei e os poderes que lhe foram outorgados em contrato social ou estatuto.
Em nível federal, neste ano de 2018, foi criada a possibilidade de indisponibilidade de bens do devedor, antes mesmo de qualquer execução fiscal, sem prejuízo, das medidas cautelares de arrolamento de bens em certas situações. Em nível estadual, temos o uso indiscriminado do ilegal Regime Administrativo Cautelar para todas as situações de inadimplência e ainda, o descredenciamento do diferimento e outros benefícios pela simples mora não solucionada no prazo de 30 dias.
Todas estas armas (e outras) vem sendo usadas indistintamente em qualquer situação, e isso é um erro gravíssimo que traz sérias consequências econômicas e sociais que são progressivas em escala geométrica. Não enxergar fato tão notório revela visão míope e em algumas situações, cegueira.
A despeito de todas as possibilidades legais existentes para a cobrança de tributos, o uso das armas disponíveis pelo fisco deve considerar o seu próprio potencial destrutivo.
De que vale arrecadar R$ 100,00 hoje de uma empresa séria, aniquilando-a, e deixar de arrecadar R$ 1.000,00 nos próximos meses? Pelo que vemos hoje, pouco importa ao fisco, se o protesto da CDA aniquilará a possibilidade de crédito financeiro de uma pequena empresa junto à bancos, ou ainda, se uma empresa multinacional de grande porte que tem atividade extremamente complexa, perca seus incentivos fiscais que confiava ter, por não ter conseguido renovar sua CND dentro de 30 dias, ou ainda, se foram bloqueados recursos em conta destinados ao pagamento da folha de salário quando foram oferecidos à penhora outros bens legítimos e hábeis para garantir uma execução fiscal.
Há tempos que não vejo um imóvel livre, desembaraçado de ônus e com avaliação suficiente à garantir a dívida fiscal ser aceito diretamente pelas procuradorias fiscais. Sempre o dinheiro em primeiro lugar, aplicando-se o Novo CPC impiedosamente. Não estamos aqui defendendo a falta de legalidade das “armas”, nossa argumentação visa apenas fomentar o debate quanto ao uso destas em cada situação. Afinal, o mesmo Código de Processo Civil que coloca o dinheiro em primeiro lugar na ordem da penhora, estabelece também, no artigo 805, que: “Quando por vários meios o exequente puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o executado.”
Se assim é, existem opções e flexibilizações que nunca foram levadas em consideração dentro de uma política séria de arrecadação que vislumbre não só o presente como também o futuro. Justamente essa equivalência entre devedor transitório e sonegador que contamina nossa nação de incerteza, fazendo-a caminhar para a “gestão de um governo” onde o agora é mais importante que o depois.
Que se criem projetos de arrecadação, que se façam estudos, que deixem de pensar em metas imediatas para pensarem em metas de crescimento. Existem formas alternativas de arrecadar sem aniquilar, sendo que a velocidade da arrecadação forçada nem sempre reflete a melhor opção quando falamos em devedor fiscal transitório.
Para isso, é fundamental entender que o contribuinte mero inadimplente não pode ser visto e nem equiparado ao sonegador contumaz. Ele não é bandido, é parceiro. O mero inadimplente não se furta às suas obrigações fiscais, ele as declara normalmente as autoridades, e ocasionalmente, não consegue honrar com seus compromissos.
É o caso daqueles que pela falta de recursos propiciada pela crise, opta por pagar seus funcionários ao invés dos tributos, opta por pagar determinado fornecedor estratégico à sua sobrevivência ou pagar uma dívida vinculada a um processo de recuperação judicial que se não honrada pontualmente acarreta sua falência e outras tantas situações. A diferença é que estas empresas podem se recuperar em um espaço curto de tempo e podem continuar a serem fontes produtoras de renda, emprego e consequentemente, tributos.
Já o sonegador é aquele que deliberadamente e propositalmente oculta a ocorrência dos fatos geradores de impostos, simula situações tributáveis como o único propósito de não pagar o tributo, oculta patrimônio para que este não venha a responder pela fraude cometida, e dolosamente, vale-se de sua inadimplência para embolsar o recurso público como se particular fosse. Estes, resguardado o direito da legítima defesa, não merecem piedade pois não guardam qualquer intuito de parceria público – privada. Usam da estrutura do Estado para nada contribuírem.
Equiparar situações tão diferentes sob o ponto de vista fiscal parece-nos inclusive ferir um princípio constitucional sagrado, o da isonomia, onde trata-se de forma igual os iguais mas de forma diferente os desiguais.
As armas, repito, devem ser utilizadas conforme o tipo de devedor e essa análise pode ser perfeitamente feita pelo fisco, com o devido auxilio, se preciso for, da sociedade organizada. Basta ser criativo, basta ter política de arrecadação. Basta pensar no amanhã e não só no hoje. Enquanto isso não acontece, é bom que os contribuintes de bem, mas inadimplentes transitoriamente, se preparem para as dificuldades fiscais a serem enfrentadas em 2018, um ano onde a criação de estratégias para liquidação e questionamento do passivo será fundamental.
Carlos Montenegro é Advogado Tributarista / Presidente da Comissão de Estudos Tributários e Defesa do Contribuinte da OAB-MT / Conselheiro Titular do Conselho de Recursos Fiscais do Município de Cuiabá / Sócio da Mattiuzo, Mello Oliveira e Montenegro Advogados Associados.
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