Nos últimos anos todas as reformas constitucionais de natureza previdenciária, promovidas, visaram adiar a opção do servidor pela inativação, daí a inserção de novos requisitos para a concessão de aposentadorias e até mesmo o afastamento da obrigatoriedade de recolhimento das contribuições previdenciárias por intermédio do instituto da isenção.
A utilização da isenção da contribuição previdenciária surtiu os efeitos esperados no que tange aos servidores, contudo acarretou uma redução das receitas dos fundos previdenciários, exigindo mudanças.
Conseqüência da necessidade de alteração da benesse concedida ao servidor, sem contundo prejudicar o retardo do momento em que se apresenta o pleito de aposentadoria, o legislador constituinte reformador reintroduziu no ordenamento jurídico pátrio, por intermédio da EC n. 41/03, a figura do Abono de Permanência.
Historicamente o abono surgiu no Brasil por um Decreto do princípe regente Dom Pedro de Alcântara, baixado em 01 de Outubro de 1821, onde se previu que aqueles que, tendo completado o tempo, não quisessem se aposentar permaneceriam em atividade e teriam um abono adicional de ¼ do salário – prenúncio do que, mais tarde, viria a ser o abono de permanência em serviço, benefício pago pela Previdência moderna até 1991, equivalente a 25% do salário-de-benefício.
No âmbito internacional o abono para permanência em atividade já era previsto no Plano Beveridge, na Inglaterra, em 1942, sendo defendido como de adoção obrigatória em razão dos ganhos financeiros gerados pelo sistema. Também é benefício importante para a manutenção do adequado funcionamento da máquina administrativa, adiando a saída de pessoas especializadas em seus segmentos de atividade.
Hoje, o Abono de Permanência concedido aos servidores públicos constitui-se em gratificação pecuniária cujo valor corresponde exatamente à contribuição exigida dos servidores, desde que este tenha completado os requisitos para a aposentadoria e opte expressamente por permanecer em atividade.
É preciso deixar claro que o reformador constituinte fixou especificamente os casos em que o servidor fará jus ao beneficio, estabelecendo para os casos em que já haja direito adquirido à aposentadoria (art. 3º, da EC n. 41/03) e ainda nas hipóteses das aposentadorias previstas nos artigos 40 da Constituição Federal e 2º, da Emenda Constitucional n. 41/03.
A principal diferença entre os institutos da Isenção e do Abono de Permanência reside no fato de que enquanto na primeira o servidor deixa de contribuir reduzindo a receita previdenciária, no segundo o servidor continua a contribuir mantendo a arrecadação dos fundos.
Em outras palavras, haverá o desconto para o regime próprio, e, concomitantemente, o reembolso ao servidor, por meio de um abono, no exato valor descontado. Assim, sempre que se modificar a base de contribuição haverá repercussão no valor do abono.
Entretanto, o mesmo legislador constituinte determinou a não aplicação das regras previdenciárias dos servidores civis aos militares, definindo nos artigos 42 e 142, que a transferência para a inatividade dos militares da União, dos Estados e do Distrito Federal, reger-se-á por normas específicas.
Até a Emenda Constitucional n. 18/98, os militares eram considerados servidores públicos, conforme artigo 42 da Constituição, inserido em seção denominada “servidores públicos militares”.
A partir dessa Emenda, ficaram excluídos da categoria, só lhes sendo aplicáveis as normas referentes, quando houver previsão expressa nesse sentido, como a contida no artigo 142, § 3º, inciso VIII.
Isto porque na carreira militar dois princípios sobressaem com pujante importância, quais sejam, o da hierarquia e o da disciplina. A conjugação de ambos faz derivar a existência de uma carreira estratificada, onde o superior exerce poderes disciplinares sobre seus imediatos, podendo, inclusive, aplicar sanções de índole administrativa.
Essa estratificação alicerçada nos princípios supramencionados, em muitas das ocasiões exige, por exemplo, que o militar seja afastado do serviço ativo em situações inusitadas como no caso em que a inativação decorre da não promoção a um posto gradualmente superior.
Além disso, as atividades militares pressupõem um esforço de seus integrantes quase que sobre-humano, submetendo-os a um stress e a um desgaste físico e mental exacerbado, diante da necessidade de garantir a segurança nacional (Forças Armadas) e a ordem pública (Militares Estaduais e Distritais).
As particulares e a nova classificação dos militares, suscita o entendimento, por parte de alguns, acerca da existência de um regime previdenciário diferenciado para os militares.
Contudo, é inadmissível, no âmbito do Estado Democrático de Direito, dicotomia como a ora apresentada, reconhecida a diferenciação e as particularidades atinentes às funções exercidas pelos militares tanto na União quanto dos Estados e do Distrito Federal.
O Regime Próprio de Previdência abrange a todos os servidores públicos independentemente da categoria a que pertencerem e está pautado em princípios maiores que não podem sucumbir a situações pontuais; é preciso então se observar também no âmbito militar o escopo, a finalidade e os princípios previdenciários de forma a permitir a sua auto-sustentabilidade.
A exclusão dos militares e o permissivo de que estes sejam regidos por normas de inativação próprias impede, em tese, a extensão aos militares de qualquer dos dispositivos constitucionais que regem a previdência dos servidores civis.
Então a conclusão lógica é a de que o Abono de Permanência não pode ser estendido aos militares, já que está disciplinado em todas as suas modalidades, em artigos constitucionais que estabelecem normas de concessão de benefício aos servidores civis.
No entanto é preciso sim conciliar os princípios previdenciários com as particularidades das atribuições constitucionais e legais dos militares de forma a se afastar também aqui o caráter premial dos benefícios previdenciários, tão nefasto nos últimos anos para o regime dos civis, não se pode coadunar tal pensamento, mas sim buscar a integração das normas.
Da mesma forma que a integração da norma deve buscar a conciliação entre os princípios previdenciários e as particularidades da carreira militar, pode esta avançar no sentido de estender-lhes as benesses concedidas aos civis, como é o caso do Abono de Permanência.
Isto porque como ensina o mestre Canotilho à norma constitucional deve ser atribuído o sentido que maior eficácia lhe conceda, já que a aplicação das regras de interpretação deverá, em síntese, buscar a harmonia do texto constitucional com suas finalidades precípuas, adequando-as à realidade e pleiteando a maior aplicabilidade dos direitos, garantias e liberdades públicas.
Daí ser possível fixar na legislação infraconstitucional militar regedora dos critérios de inativação, critérios e requisitos para a concessão de Abono de Permanência, naqueles casos em que este vier a preencher os requisitos exigidos para o civil.
Ou seja, idade mínima, tempo de contribuição, tempo de serviço público e no cargo, além das datas de ingresso no serviço público. Entretanto, no caso dos militares o tempo de cargo deve ser fixado como tempo de posto ou graduação.
Entendimento esse que vem sendo adotado por alguns Tribunais, inclusive:
ABONO DE PERMANÊNCIA - POLICIAIS MILITARES - O Policial Militar que opta por permanecer na ativa após ter completado as exigências para a aposentadoria voluntária, tem direito ao recebimento do abono de permanência - Inteligência do art. 40, §19, da Constituição Federal, c/c artigos 11 e 13 da Lei Complementar nº 1.012/07, bem como da Lei nº 943/2003 – Sentença mantida. JUROS MORATÓRIOS NAS CONDENAÇÕES IMPOSTAS À FAZENDA PÚBLICA – Entendimento da Câmara de não aplicação da Lei 11.960/2009, que alterou o art. 1º-F da Lei 9.494/1997, diante da declaração da inconstitucionalidade por arrastamento na ADin 4.357/DF. Recurso voluntário da FESP e reexame necessário não providos. (TJSP; Apelação / Reexame Necessário 1019716-61.2015.8.26.0554; Relator (a): Leonel Costa; Órgão Julgador: 8ª Câmara de Direito Público; Foro de Santo André - 1ª Vara da Fazenda Pública; Data do Julgamento: 09/02/2017; Data de Registro: 09/02/2017)
Então, a possibilidade de concessão de abono de permanência aos militares passa, necessariamente, pela existência de previsão legal nesse sentido.
Bruno Sá Freire Martins é advogado e presidente da Comissão de Regime Próprio de Previdência Social do Instituto dos Advogados Previdenciários – Conselho Federal (IAPE). Bruno também é autor de obras como Direito Constitucional Previdenciário do Servidor Público, A Pensão por Morte, e Regime Próprio - Impactos da MP 664/14 Aspectos Teóricos e Práticos, além do livro Manual Prático das Aposentadorias do Servidor Público e diversos artigos nas áreas de Direito Previdenciário e Direito Administrativo.
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