A eleição do novo presidente da Argentina, Alberto Fernández, no último domingo (27) sinaliza a alternância político-ideológica não apenas naquele país. Revela, também, a reascensão da esquerda sul-americana. O fenômeno social vivido pelo Chile nos últimos dias é outra evidência. Há cerca de um mês, Sebastian Pinhera, presidente chileno, vaticinou que o país é uma democracia forte, com uma economia sólida. A previsão se confirmou. Uma semana depois, a terra de Allende parece ter sido revirada pela revolta popular.
Como a vitória da chapa de Cristina Kirchner representa uma mudança de rota nos ventos liberais que sopravam na bacia cisplatina, assim é o movimento popular desencadeado no Chile. Ambos revelam um movimento que se estende ao Uruguai. Aos 84 anos, o ex-presidente socialista, Pepe Mujica, retornou ao Senado Federal, enquanto Daniel Martinez, candidato da esquerda, disputará, no dia 24 de novembro, em segundo turno, a presidência com Luís Lacalle Pou da direita, com uma vantagem de 10% na primeira etapa.
No entanto, o movimento segue cambaleante em países como Equador, onde a esquerda briga entre si. Ou como no caso da disputa pela exploração de petróleo entre os governos socialistas da Guiana e Venezuela. Aliás, o primeiro país chama a atenção pelo resultado da sucessão promovida pelo ex-presidente Rafael Correa, quando lançou seu vice, Lenín Moreno, à presidência. Eleito, o correligionário da Alianza País, rompeu com o ex-aliado. Autoexilado na Bélgica, Correa agora é acusado de orquestrar um golpe.
A escolha errada de novas lideranças políticas também foi um erro estratégico no Brasil. É o caso de Dilma Rousseff, que nem de longe possuía a capacidade de articulação política e a popularidade de seu antecessor, Luís Inácio Lula da Silva. E a ascensão da direita na geopolítica regional deixou claro o equívoco da esquerda – a falta de uma formação consistente dos sucessores. É o caso da Venezuela, onde Nicolás Maduro enfrenta a oposição de Juan Guiadó e o poder da Assembleia Nacional com respostas violentas das ruas.
O mesmo fenômeno vive a Bolívia, com seu eterno líder. A manutenção de Evo Morales na presidência gerou, consequentemente, questionamentos por parte do partido de direita, o CC (Comunidad Ciudadana), liderado por Carlos Mesa. Embora a diferença de votos seja de mais de 10%, a oposição pede a recontagem de votos e não reconhece a derrota. O governo de Jair Bolsonaro também não concordou com o resultado. Evo venceu as eleições com 47,08% dos votos, contra 36,51% de Mesa. Seguindo essa premissa, a falta de sucessor faz do socialista, Deise Bouterse, presidente do Suriname, um ditador. E vale destacar que caudilhos, de direita ou de esquerda, não combinam com a democracia. A alternância no poder é basilar.
Circulando paralelamente ao processo de oxigenação com ares liberalistas que obteve sucesso nos últimos pleitos da América do Sul, a chama da esquerda parece mais viva do que nunca. É uma relação intrínseca. Os elementos – fogo e ar - combinam. E, pelas bandas do sul parece que o vento é canhoto. Das 12 nações sul-americanas, sete delas são comandadas por políticos alinhados mais à esquerda, enquanto cinco à direita.
Além dos brasileiros, são elas: os paraguaios, com o presidente Mario Abdo Benítez, do partido colorado, cujo pai foi braço direito do ditador Alfredo Stroessner. Também integram o movimento da direita sul-americana os presidentes Sebastian Pinhera, do Chile, Iván Duque, da Colômbia, e Martín Vizcara, no Peru. Vale destacar que este último assumiu a presidência no lugar do economista Pedro Pablo Kuczynski, que sofreu impeachment devido ao seu envolvimento no escândalo de corrupção da Odebrecht, revelado pela Operação Lava Jato. A Guiana Francesa não é considerada um país, por se tratar de território ultramarino. Portanto, não falarei dela.
Para finalizar, é importante considerar que, embora a direita sul-americana tenha se beneficiado das dificuldades enfrentadas pela esquerda, com infindáveis escândalos de corrupção envolvendo seus governos, o caso peruano denota que a falta de ética afeta os mais variados espectros ideológicos. E que o discurso da corrupção serviu de mote no convencimento das massas para a virada de mesa da esquerda para a direita, como quem diz que políticos conservadores são menos corruptos que os progressistas. Acontece que ética é questão de valores, de moral. E isso não se aprende em cartilhas partidárias, mas, sim, dentro de casa. Ética é característica do agir, e não do ser. Assunto para outro artigo.
Hugo Fernandes é jornalista, especialista em Assessoria de Imprensa, Comunicação Estratégica e Marketing Político.
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