Desde a tristemente célebre Guerra em que Brasil, Argentina e Uruguai venceram o Paraguai, entre 1864 e 1870, a nação derrotada enfrentou uma crise econômica sem precedentes e um fenômeno social de profundas consequências, em que adultos e jovens do sexo masculino foram simplesmente aniquilados pela estupidez humana.
Exposta na 33ª Bienal de Arte de São Paulo, a arte de Feliciano Centurión (1962 – 1996), paraguaio de nascimento, mas radicado na Argentina, insere-se nessa busca de uma voz. Seu trabalho, muito influenciado pela arte popular de bordadeiras da região em que nasceu, dá a manifestações tradicionalmente ligadas ao universo feminino uma dimensão épica.
Pinturas e bordados ganham a esfera do fantástico e um tom de grande dramaticidade é levado aos travesseiros em que começou a colocar imagens e frases após ser diagnosticado com HIV positivo. Questões de gênero vêm à tona como expressões de conquista de um lugar no mundo que a sociedade insistia em negar.
As imagens que Feliciano apresenta possuem uma impressionante delicadeza. Criam atmosferas ao mostrar um polvo, um cordeiro sacrificado, um cervo numa floresta estilizada ou um navio em meio a mar revolto. Esses trabalhos convivem com outros em que surgem delicados escritos, como ‘La muerte es parte intermitente de mis dias’ ou ‘Vivir es todo sacrificio’. A obra, como um todo, aponta para um mundo melhor, com sutis traços trágicos num clima vivencial marcado pela dor e pelo peso da existência.
Oscar D’Ambrosio é jornalista pela USP, mestre em Artes Visuais pela Unesp, graduado em Letras (Português e Inglês) e doutor em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e Gerente de Comunicação e Marketing da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.
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