Pensar a ética jornalística no dia-a-dia das redações é antes de tudo cobrar do repórter responsabilidade na apuração e redação dos fatos. Definir o que é notícia e mostrá-la de forma verdadeira e clara deixando de lado todas as convicções partidárias à pauta para ter no texto apenas o que foi apurado. Caso esta regra clássica não possa ser cumprida é melhor deixar a “pena” de lado e a matéria apenas na cabeça de quem a pensou. No jornalismo ético só há lugar para opiniões em colunas, artigos e editoriais.
No livro “A Reportagem: teoria e técnica de entrevista e pesquisa jornalística”, Nilson Lage mostra os efeitos colaterais da “parcialidade” no jornalismo. “Quando os militares autorizaram a instalação de empresas de seguro-saúde no Brasil, a Golden Cross montou um setor de atendimento aos jornalistas de onde partiam denúncias contra os hospitais públicos. Julgando estar prestando um serviço e combatendo a ditadura, vários jornalistas acabaram ajudando a empresa naquele início difícil dos “negócios” quando o atendimento público de saúde ainda tinha uma imagem boa.”
Outro caso que pode ser analisado sob o ponto de vista ético é a entrevista concedida pelo jornalista Dan Rather, principal âncora da rede americana de televisão CBS, ao programa de David Letterman (26/01/01). Enquanto falava sobre os atentados terroristas de 11 de setembro, quando Bin Laden ordenou a destruição das torres gêmeas (World Trade Center) e do Pentágono, Rather chorou três vezes e se colocou a disposição do então presidente dos EUA, George Bush: “Como americano, ele terá o que quer de mim.” O que dizer desta postura?
Já o jornalista Robert Fisk, um dos mais respeitados correspondentes no Oriente Médio, resenhou: “O mundo será levado a acreditar nos próximos dias que presenciamos uma luta da democracia contra o terrorismo; na verdade, os atentados têm muito a ver também com mísseis americanos caindo sobre lares palestinos; com helicópteros americanos jogando mísseis em uma ambulância libanesa em 1996; e com uma milícia libanesa – paga e uniformizada por Israel, o fiel aliado americano – cortando, estuprando e matando refugiados em seu caminho. E com muito mais”.
Todo repórter/redator/editor que respeita a si e a profissão que abraçou precisa ser analítico. Não pode comprar "meias verdades" e nem acreditar em “embalagens”. Tem que investigar a fundo toda e qualquer informação. Uma pauta só é resolvida quando todos os porquês são respondidos de forma satisfatória e não há mais dúvidas no ar. Isso é jornalismo ético e sério.
Luiz Garcia, ex-editor de opinião do jornal O Globo, ensina: “Um homem público acusa outro de um delito qualquer e temos a infantil ingenuidade de achar que o problema se resolve ouvindo o outro lado. Fulano diz que Beltrano é ladrão de galinhas – e Beltrano nega. É uma postura preguiçosa, que contribui para a impressão de que a imprensa brasileira é viciada em denuncismo. Nossa obrigação não é simplesmente ouvir os dois lados, e sim apurar o que há de verdade na história. Inclusive, se for o caso, para concluir que não há história”.
“O senhor não chamou o meu procedimento de desumano, pelo contrário, de acordo com sua percepção mais profunda, o senhor o considera o mais humano, o mais digno de todos. O senhor também admira este maquinismo”, diz o personagem de Franz Kafka (Na Colônia Penal), ao visitante encarregado de opinar sobre o cruel sistema de punição ao condenado sem qualquer direito de defesa.
É hipocrisia criar uma ética particular para justificar qualquer ato de nosso interesse. Segundo Maquiavel, “é ético o que interessa ao bem comum e não o que interessa meramente ao príncipe”. Acredito ser esta a linha mestre a ser seguida nas redações. Ética, honestidade e trabalho sério “não devem ser adjetivos ou penduricalhos gramaticais na vida do profissional de comunicação”, mas prática diária do jornalista.
Robson Fraga é jornalista.
Ainda não há comentários.