A saúde é um direito internacionalmente reconhecido, inserido em diversas Cartas Constitucionais e Pactos Internacionais. No Brasil, está prevista como direito fundamental nos artigos 6º, 196º e seguintes da Constituição Federal. Diferente não poderia ser. Com base no amparo legal, e na tentativa desesperada de se obter medicamentos, exames, cirurgias ou tratamentos é que se justifica o crescente número de processos judiciais em que se pretende o acesso à saúde e a garantia do direito à vida, tanto em desfavor do sistema de saúde pública quanto das empresas e cooperativas que oferecem planos de saúde suplementar.
O indivíduo se vê obrigado a apelar ao Poder Judiciário para, em verdade, pôr fim ao sofrimento, requerendo acesso a medicamento, cirurgia ou tratamento. No entanto, não raras vezes, o Sistema Único de Saúde não consegue cumprir tal decisão judicial e nos deparamos então com a ineficácia da judicialização. Sim, quando se trata de saúde pública, o buraco é mais embaixo. Contudo, dentro da sua prerrogativa, resta ao cidadão judicializar.
Inobstante à deficiência na saúde pública, resta ao judiciário dar tratamento aos inúmeros (e crescentes) casos nesse sentido. Há alguns anos começou uma movimentação da OAB nacional e outros órgãos, inclusive o Conselho Nacional de Justiça, para que fossem implementadas varas especializadas em direito da saúde em algumas comarcas.
A verdade é que, em meio a tantas demandas, a judicialização lamentavelmente se institucionalizou, prejudicando aqueles que correm contra o tempo para proteger o direito à vida. Em outras palavras, a banalização deste recurso, com ações judiciais econômica ou moralmente injustificáveis, coloca em risco a vida daqueles que realmente precisam da intervenção do Poder Judiciário.
No que se refere à saúde privada, há um problema evidente e difícil de resolver. Importante esclarecer que a Lei 9656/98 veio para regulamentar os contratos de planos de saúde. Antes, portanto, de 1998, os planos de saúde não eram regulamentados.
O que se vê atualmente é o livre deferimento de tutelas de urgência imputando às operadoras de planos de saúde a cobertura ampla e irrestrita do direito à saúde, em decorrência do sistema público falho. Assim, o que parece é que há uma insegurança jurídica da empresa quanto às decisões judiciais que, por vezes, ignoram o contrato firmado entre a operadora e o cidadão, e se fundamentam em critérios subjetivos de justiça social.
No entanto, é necessário alertar que essa responsabilidade irrestrita atribuída aos planos de saúde pode gerar (e é o que vem acontecendo) efeitos econômicos assustadoramente prejudiciais a todo o mercado de saúde suplementar. Na verdade, quando a operadora se vê forçada a cobrir benefícios ao segurado que, via de regra, não faz jus a esse direito por não existir previsão contratual, ela sofre um “gap” econômico que, certamente será direcionado aos demais consumidores. Por certo, não fosse assim, as empresas de planos de saúde não se viabilizariam.
A bem da verdade, isso gera tamanha onerosidade que torna o plano de saúde cada vez mais caro e mais restrito. No afã de proteger o direito à vida, os julgadores tem, com frequência, ignorado os termos do contrato e condenado as empresas a fornecer medicamentos de altíssimo custo, realizar cirurgias em procedimentos experimentais, entre outras situações que ultrapassam a margem contratual.
É preciso pensar na saúde financeira dessas operadoras, mas não para preservar interesses de empresários, e sim para evitar que o acesso a planos de saúde se torne cada vez mais restrito. Inviabilizar os planos de saúde suplementar, com decisões judiciais que desconsideram o pactuado no contrato entre o cliente e a operadora, acabará por jogar, no Sistema Único de Saúde (SUS), um número cada vez maior de cidadãos. E, como todos sabem, o SUS está falido e não tem, nem de longe, capacidade para atender a todos os cidadãos brasileiros.
Amanda Sodré Piona é advogada, pós-graduada em processo civil e pós graduanda em direito médico.
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