• Cuiabá, 11 de Março - 00:00:00

O absurdo


Gonçalo Antunes de Barros Neto

Um coração que foi crisálida arvora-se em senhorio de sentimentos profundos. A paz que sublima os desejos humanos é alcançada pelo constante devir dos acontecimentos apreendidos como repositórios experienciados, guardados na profundeza da alma. Não de qualquer alma, mas a que se doa, abnega-se para a alteridade.

Vir a ser é o destino de todos, que seja na sua completude igual a uma poesia espelhada pelos melhores sentimentos, confundindo-se com eles. A imagem é a extensão do pensamento, que, adornado pelo conceito, dá profundidade (Humberto de Campos).

Quem pior seria se emaranhasse de cultura e poesia? Inexiste, pois elevam acima das circunstâncias. A paz como objeto de desejo não se enquadra nos espetáculos dos profissionais de “coach”. Exige mais reflexão, a qual é a quadra de quem costumou às boas leituras e prosas com pessoas fora do ordinário, ou seja, extraordinárias.

Na vida não se pode ressignificar sem encarar a realidade. Essa sensação de paz e equilíbrio advém das estruturas cognitivas que a pessoa carrega consigo, na expressão de Amiel: “És um balão cativo... não deixes que se rompa o cabo que te prende à terra”. Citado por Sertillanges, São Tomás consagra um artigo na Suma teológica – a realidade é o fim último do juízo; ora, a finalidade deve lançar sua luz sobre todo o percurso (A Vida Intelectual).

As palestras e livros de autoajuda deixam de encantar assim que o interessado se volta para a realidade. Nesse momento cessam os sonhos lançados pelas palavras ouvidas ou lidas. Ninguém vive somente no mundo das ideias (Platão). É necessário mais; a profundidade que só a reflexão crítica dos fatos consagra.

Do propósito da vida, cuida a vida. Para as pessoas resta encarar o absurdo, conforme o pensamento de Camus. Portanto, a atitude, a coragem, é o diferencial. É preciso enxergar Sísifo feliz. Dar sentido a uma caminhada no espaço/tempo, que não se importa em ter sentido. Ao não mais se importar com a indiferença da natureza, a opressão cede à liberdade.

A liberdade, aliás, não se dá pela ausência de limites, mas pelo entendimento de que cada escolha carrega em si um peso ontológico. Kierkegaard diria que a angústia é a vertigem da liberdade, e talvez esteja aí a grande questão: suportar a responsabilidade do existir sem se perder na dispersão. Há um preço na autenticidade, na busca pelo essencial.

Toda reflexão sobre a condição humana exige não apenas lucidez, mas uma coragem quase trágica. A serenidade não nasce da fuga, mas da assimilação do real. Como dizia Nietzsche, é preciso amar o destino, afirmar o que é, sem medo de encarar o eterno retorno das experiências que moldam a alma. A paz verdadeira, longe de ser uma promessa ingênua, é um exercício contínuo de aceitação e de coragem.

E, nesse sentido, a verdadeira transcendência não está em negar a vida, mas em abraçá-la, mesmo com suas imperfeições. Talvez seja essa a verdadeira sabedoria: a arte de permanecer firme diante do caos, encontrando, na consciência do absurdo, uma liberdade que nem o tempo pode consumir.

Assim, entre o peso das escolhas e a leveza do entendimento, a vida se faz caminhada – não reta, mas sinuosa, como as trilhas que levam ao cume. A paz, tão almejada, não é repouso inerte, mas dança sutil entre o desejo e a aceitação, entre o caos e a ordem.

Se há sentido, ele não se impõe, mas se esculpe no encontro entre o efêmero e o eterno. Como folhas ao vento, todos são levados por correntes invisíveis, mas, ao mesmo tempo, fincam raízes na terra fértil das experiências.

Viver é, por sinal de um aparente paradoxo, de um absurdo, a mais bela de todas as poesias – escrita com os passos, os sonhos e a coragem de permanecer.

É por aí...

 

Gonçalo Antunes de Barros Neto (Saíto) é membro efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso – IHGMT, da Academia Mato-Grossense de Letras (Cadeira 7), da Academia Mato-Grossense de Direito (Cadeira 30) e da Academia Mato-Grossense de Magistrados (Cadeira 19).            




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