• Cuiabá, 30 de Junho - 00:00:00

BEPS, Pilar 1, Pilar 2, Montante B, afinal o que estamos discutindo?


Hugo Amano

Em 2016, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico ("OCDE") e o G20 criaram o "OECD/G20 Inclusive Framework on BEPS", iniciativa que atualmente conta com a adesão de mais de 140 países, incluindo o Brasil. O principal objetivo é a implementação de 15 medidas para combater a elisão fiscal, melhorar a coerência das regras tributárias internacionais e promover um ambiente tributário mais transparente e equitativo.

O acrônimo BEPS significa "Base Erosion and Profit Shifting", cuja tradução seria "Erosão da Base e Transferência de Lucros", termo utilizado para definir as estratégias de planejamento tributário utilizadas por grupos multinacionais que exploram as lacunas e incompatibilidades nas regras tributárias internacionais para evitar ou reduzir o pagamento de tributos. Isso tornou-se uma preocupação global devido a capacidade de minar a integridade do sistema tributário e prejudicar a arrecadação de impostos em nível nacional e internacional.

Uma das principais áreas de preocupação identificadas foi a crescente digitalização da economia global e seus efeitos sobre a tributação. Em resposta a esses desafios, a Ação 1 do BEPS dispõe sobre os "Desafios tributários decorrentes da digitalização" (Tax Challenges Arising from Digitalisation). O objetivo é avaliar os impactos tributários da rápida e crescente transformação digital. O centro da discussão é avaliar se as regras de tributação do imposto sobre a renda, criadas há mais de 100 atrás, ainda estão adequadas à nova realidade econômica.

Em outubro de 2021, os países propuseram a solução de 2 Pilares para reformar as regras de tributação internacionais e assegurar que os grupos multinacionais paguem uma parcela justa de tributos onde quer que operem.

O Pilar 1 visa realocar os direitos de tributação dos grupos multinacionais dos seus países de origem para os mercados onde exercem as atividades comerciais e obtêm lucros, independentemente de as empresas possuírem ou não presença física. Isso é especialmente relevante para empresas digitais que operam globalmente, mas têm presença física limitada em muitos países. A implementação do Pilar 1 tem o potencial de realocar mais de US$ 125 bilhões em lucros por ano. O Pilar 1 é subdividido em Montante A e Montante B, sendo este último o foco deste texto.

Já o Pilar 2 prevê impor um limite à concorrência em matéria de imposto sobre a renda das empresas, através da introdução de uma tributação mínima global para que os países possam proteger as suas bases tributárias. A OCDE estima que o imposto mínimo global sobre o rendimento dos grupos multinacionais, à alíquota de 15%, gere anualmente cerca de US$ 150 bilhões em arrecadação.

O Brasil participa das discussões sobre os BEPS desde o início e o atual Governo dá sinais de que apoiará a adoção e implementação dos Pilares 1 e 2. No entanto, isso exigirá mudanças significativas na legislação tributária e não é difícil prever que tal implementação enfrentará desafios políticos e burocráticos no Congresso.

Mais recentemente, em fevereiro de 2024, foi publicado o relatório "Pilar 1 Montante B", que prevê uma abordagem simplificada e otimizada para a aplicação das regras de preços de transferência nas atividades básicas de marketing e distribuição de produtos tangíveis. Essa medida é particularmente relevante para o Brasil, que possui um grande número de empresas multinacionais operando no país, especialmente no setor de distribuição.

A abordagem simplificada do Montante B visa aumentar a segurança jurídica e reduzir os custos de conformidade para contribuintes e Fiscos, especialmente em jurisdições com recursos limitados. No entanto, a definição de "jurisdições de baixa capacidade" ainda precisa ser divulgada pela OCDE.

Uma das características distintivas do Montante B é a introdução de margens fixas para determinar o retorno sobre as vendas (ROS) em transações qualificadas. Embora isso simplifique o processo de determinação do ROS, ainda é necessário um delineamento preciso da transação qualificada de acordo com as regras da OCDE.

Se o objetivo do Montante B é facilitar a vida do contribuinte e dos Fiscos, essa facilidade vem, principalmente, por meio da aplicação das margens fixas, que já foram tão criticadas no Brasil.

É justo esclarecer que não se trata da conhecida margem de lucro de 20% do antigo PRL, mas da margem fixa do retorno sobre as vendas (indicador financeiro calculado na relação entre o EBIT e as vendas líquidas).

O Montante B é aplicável às transações com produtos tangíveis, exceto commodities, e não se aplica para os intangíveis e serviços. A regra também não dispensa o delineamento preciso da transação qualificada que deve ser realizado de acordo com as regras da OCDE, considerando todos os cinco fatores de comparabilidade (termos contratuais, análise funcional, características, circunstâncias econômicas e estratégias de negócio) e as características economicamente relevantes da transação.

Ou seja, ainda que a OCDE considere que seja uma abordagem simplificada, o Montante B exige uma análise aprofundada da transação controlada antes de entrar para a aplicação das margens. Com base em dados globais de empresas que exercem a atividade de distribuição, foi efetuada uma análise de benchmarking que resultou na tabela matriz, que apresenta 15 possibilidades e os percentuais variam entre 1,5% e 5,5%, sendo aceita uma variação de 0,5% para mais ou para menos.

Para fins de ajuste de preços de transferência, espera-se que a parte testada compare o ROS praticado nas transações ao ROS ajustado (equivalente ao preço parâmetro das regras antigas) e efetue o ajuste de preços de transferência, quando aplicável.

A abordagem do Montante B nos parece mais embasada do ponto de vista econômico que as antigas margens fixas brasileiras. Em termos de complexidade, a aplicação é muito mais objetiva do que a documentação de uma análise de benchmark e é basicamente efetuada com informações contábeis e índices financeiros. É possível que tanto o Fisco e o contribuinte brasileiro enxerguem com bons olhos a adoção do Montante B, pois a abordagem simplifica uma parte importante das análises de preços de transferência.

O Brasil deve se posicionar sobre a adoção ou não do Montante B em breve já que a regra sugere que os países a adotem para os exercícios iniciados em ou a partir de 1 de janeiro de 2025. As regras de preços de transferência vigentes devem ser alteradas ainda em 2024 para o Montante B ter vigência a partir de 2025, o que pode ser considerado um cenário pouco provável uma vez que o Congresso está focado nas discussões sobre a reforma tributário do consumo.

Vamos aguardar as cenas do próximo capítulo...

 

*Hugo Amano é sócio-líder da BDO de Impostos Diretos.




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